Desde a valorização irreal da tulipa na Holanda de 1637, as grandes crises econômicas sempre tiveram um lado de utopia - menos a atual, que só tem espertalhões e otários
Por André Caramuru Aubert*
A verdade é que, não é de hoje, o que todo mundo quer é dinheiro. De preferência, fácil. O primeiro “estouro de bolha” sério de que se tem notícia aconteceu na Holanda, em 1637. Os holandeses sempre gostaram de flores. E, poucos anos antes, um embaixador do império turco levara ao país alguns exemplares de tulipas, que se adaptaram bem ao clima local.
Por motivo que ninguém sabe ao certo, elas se valorizaram muito, e começou um negócio de compra e venda de “tulipas futuras”, ou seja, alguém tinha um bulbo de tulipa que deveria germinar na primavera e vendia os direitos daquele bulbo a uma outra pessoa, que o revendia a outra e assim por diante.
Em determinado momento, o preço das tulipas, que talvez nunca viessem a germinar, chegara a níveis exorbitantes. Alguém, na época, escreveu que o dinheiro pago a um único bulbo teria comprado “27 toneladas de trigo, cinqüenta de arroz, quatro bois, oito porcos, doze ovelhas, dois barris de vinho, quatro tonéis de cerveja, duas toneladas de manteiga, três toneladas de queijo, uma cama com lençóis, um guarda-roupa completo e uma taça de prata”. O mecanismo era basicamente o mesmo das bolsas hoje: compravam-se e vendiam-se expectativas, numa frenética corrente da felicidade, onde ninguém, naverdade, pretendia ficar com a tulipa, mas sim revender, com lucro, os direitos sobre ela. Até que, num belo dia, de uma hora para outra, a confiança cessou, os compradores sumiram, alguns saíram muito ricos e a maioria faliu.
Conta-se de viúvas que venderam as casas onde viviam para comprar tulipas e que morreram – literalmente – com o mico na mão.
OTIMISMO HEREDITÁRIO
As pessoas deveriam ter aprendido com as tulipas, mas isso não aconteceu. De lá para cá, os estouros de bolhas foram inúmeros. Em 1720, os ingleses foram à loucura com a especulação de companhias de busca de tesouro dos mares do sul (quando o termo “bolha” foi pela primeira vez empregado).
De novo, fortunas se fizeram rapidamente, e milhares de pessoas viram ser pulverizadas suas economias quando a farra acabou. Houve muitas outras, as mais famosas tendo sido a febre das ferrovias nos Estados Unidos em 1845 e o crash de Wall Street em 1929, o primeiro dos estouros com conseqüências globais, Brasil incluído (e, história que ouvi muitas vezes, meu bisavô, hipnotizado pelas altas diárias do preço do café, esperou até além do razoável para vender a safra, perdendo tudo o que tinha em 24 horas).
A bolha que eu vivi pessoalmente foi a da internet, há cerca de dez anos, quando quase fiquei milionário. Infelizmente, porém, minha tulipa (a empresa do Vale do Silício onde trabalhei e da qual possuía “opções de ações”) não foi para a bolsa na hora certa. É curioso que, mesmo sabendo da irracionalidade da coisa toda, você, se está internamente envolvido, acaba contaminado.
E os sinais eram óbvios. Afinal, como explicar que, naqueles dias, o Yahoo! valesse mais que a Ford? E como justificar a compra do grupo Time Warner, o maior conglomerado de mídia do mundo, pela America Online, pouco mais que um provedor de acesso à web? Qualquer empresa que tivesse um pontocom no nome passava a valer uma fortuna. Os exageros ficaram evidentes quando a bolha explodiu. A Terra Networks, que comprara o sistema de buscas Lycos por US$ 12,5 bilhões em 2000, vendeu-o por 95 milhões quatro anos depois.
Cada bolha teve seus espertalhões e otários, mas também seus sonhos. A das tulipas embelezaria o mundo. A das ferrovias revolucionaria os transportes. A da internet, nascida num mundo abençoado pela queda do Muro de Berlim, trombeteava a chegada de uma nova era, de acesso global e democrático à informação e à riqueza. E a atual, bem, a atual não tinha sonhos, só tinha os espertalhões e os otários.
*ANDRÉ CARAMURU AUBERT, 47, trabalha com tecnologia e já está plenamente recuperado do estouro da bolha da internet. Seu e-mail é acaramuru@trip.com.br
A verdade é que, não é de hoje, o que todo mundo quer é dinheiro. De preferência, fácil. O primeiro “estouro de bolha” sério de que se tem notícia aconteceu na Holanda, em 1637. Os holandeses sempre gostaram de flores. E, poucos anos antes, um embaixador do império turco levara ao país alguns exemplares de tulipas, que se adaptaram bem ao clima local.
Por motivo que ninguém sabe ao certo, elas se valorizaram muito, e começou um negócio de compra e venda de “tulipas futuras”, ou seja, alguém tinha um bulbo de tulipa que deveria germinar na primavera e vendia os direitos daquele bulbo a uma outra pessoa, que o revendia a outra e assim por diante.
Em determinado momento, o preço das tulipas, que talvez nunca viessem a germinar, chegara a níveis exorbitantes. Alguém, na época, escreveu que o dinheiro pago a um único bulbo teria comprado “27 toneladas de trigo, cinqüenta de arroz, quatro bois, oito porcos, doze ovelhas, dois barris de vinho, quatro tonéis de cerveja, duas toneladas de manteiga, três toneladas de queijo, uma cama com lençóis, um guarda-roupa completo e uma taça de prata”. O mecanismo era basicamente o mesmo das bolsas hoje: compravam-se e vendiam-se expectativas, numa frenética corrente da felicidade, onde ninguém, naverdade, pretendia ficar com a tulipa, mas sim revender, com lucro, os direitos sobre ela. Até que, num belo dia, de uma hora para outra, a confiança cessou, os compradores sumiram, alguns saíram muito ricos e a maioria faliu.
Conta-se de viúvas que venderam as casas onde viviam para comprar tulipas e que morreram – literalmente – com o mico na mão.
OTIMISMO HEREDITÁRIO
As pessoas deveriam ter aprendido com as tulipas, mas isso não aconteceu. De lá para cá, os estouros de bolhas foram inúmeros. Em 1720, os ingleses foram à loucura com a especulação de companhias de busca de tesouro dos mares do sul (quando o termo “bolha” foi pela primeira vez empregado).
De novo, fortunas se fizeram rapidamente, e milhares de pessoas viram ser pulverizadas suas economias quando a farra acabou. Houve muitas outras, as mais famosas tendo sido a febre das ferrovias nos Estados Unidos em 1845 e o crash de Wall Street em 1929, o primeiro dos estouros com conseqüências globais, Brasil incluído (e, história que ouvi muitas vezes, meu bisavô, hipnotizado pelas altas diárias do preço do café, esperou até além do razoável para vender a safra, perdendo tudo o que tinha em 24 horas).
A bolha que eu vivi pessoalmente foi a da internet, há cerca de dez anos, quando quase fiquei milionário. Infelizmente, porém, minha tulipa (a empresa do Vale do Silício onde trabalhei e da qual possuía “opções de ações”) não foi para a bolsa na hora certa. É curioso que, mesmo sabendo da irracionalidade da coisa toda, você, se está internamente envolvido, acaba contaminado.
E os sinais eram óbvios. Afinal, como explicar que, naqueles dias, o Yahoo! valesse mais que a Ford? E como justificar a compra do grupo Time Warner, o maior conglomerado de mídia do mundo, pela America Online, pouco mais que um provedor de acesso à web? Qualquer empresa que tivesse um pontocom no nome passava a valer uma fortuna. Os exageros ficaram evidentes quando a bolha explodiu. A Terra Networks, que comprara o sistema de buscas Lycos por US$ 12,5 bilhões em 2000, vendeu-o por 95 milhões quatro anos depois.
Cada bolha teve seus espertalhões e otários, mas também seus sonhos. A das tulipas embelezaria o mundo. A das ferrovias revolucionaria os transportes. A da internet, nascida num mundo abençoado pela queda do Muro de Berlim, trombeteava a chegada de uma nova era, de acesso global e democrático à informação e à riqueza. E a atual, bem, a atual não tinha sonhos, só tinha os espertalhões e os otários.
*ANDRÉ CARAMURU AUBERT, 47, trabalha com tecnologia e já está plenamente recuperado do estouro da bolha da internet. Seu e-mail é acaramuru@trip.com.br