Um dos mais importantes papéis do terceiro setor é fazer uma reaproximação entre as causas e os movimentos. Para isso, é essencial que se aprenda o uso de novas ferramentas tecnológicas
Nenhum setor está a salvo de ser completamente transformado pela tecnologia. Não são apenas as indústrias culturais – como as de música, jornalismo e audiovisual – que estão tendo que se reinventar por causa da rede. A própria relação entre governos e cidadãos vai mudar. Um segmento que não poderia ficar de fora é o “terceiro setor”, formado por instituições e organizações que têm como objetivo defender causas.
É curioso porque o papel do terceiro setor nunca foi tão importante, ao mesmo tempo em que há uma sensação de esgotamento dos modelos empregados pelas organizações da sociedade civil que gradativamente vão se tornando anacrônicos ou ineficazes. Em outras palavras, são incapazes de dialogar com a complexidade e a velocidade do mundo atual.
Sobre a importância do terceiro setor não há dúvidas. O cientista político Ivan Krastev faz uma reflexão importante a esse respeito. Ele diz que os protestos que tomaram as ruas de mais de 80 países desde a eclosão da Primavera Árabe, em 2010, possuem uma característica singular. Eles representam uma separação entre os movimentos e as causas. Grupos tomam as ruas, muitas vezes aos milhões, mas não há uma “causa” ou conjunto de “causas” que unifique as demandas daquelas pessoas.
Causas buscam movimentos
Ao mesmo tempo, um grande número de causas sociais está completamente divorciado de movimentos. São causas reconhecidas como importantes por um grande número de pessoas, no entanto, de forma difusa. São incapazes de produzir uma precipitação social que leve as pessoas às ruas ou até mesmo de produzir uma mobilização política capaz de sensibilizar partidos e atores políticos. O Brasil está cheio dessas causas em busca de movimentos. Algumas delas muito importantes, como a reforma política, a necessidade de aprimorar nosso modelo de desenvolvimento, a sustentabilidade e a ampliação do papel da inovação como forma de enfrentar os diversos desafios e falhas no país.
Nesse sentido, um dos novos e importantes papéis do terceiro setor é justamente o de fazer uma reaproximação entre as causas e os movimentos. Para isso, é essencial que as organizações da sociedade civil aprendam a se utilizar de novas ferramentas tecnológicas, imprimindo um novo tipo de presença na esfera pública. É preciso conhecer as metodologias de participação e mobilização cívicas que surgem com as mídias sociais. Mesmo organizações cujas causas não tenham qualquer relação direta com a internet precisam dominar essas ferramentas.
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Além disso, é preciso transformar o modus operandi. Muitas dessas organizações se acostumaram a atuar de uma única forma: pressionando e demandando que o Estado abraçasse suas causas. O Estado era visto assim como o “big daddy”, capaz de agir e resolver as questões identificadas se a reclamação fosse feita da forma certa.
Um modelo mais interessante e eficaz abraça a ideia de “multissetoralismo”. O diálogo em torno de causas pode ser feito não só entre sociedade civil e Estado, mas também entre vários setores: setor acadêmico, setor privado, comunidade tecnológica, comunidade científica, mídia, entre outros. Em outras palavras, ampliar o rol de atuação e interlocução, abrindo novas frentes capazes de aproximar movimentos e causas.
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Vejo no Brasil o surgimento de uma nova geração de organizações atuando dessa forma. Entre elas, o Meu Rio e a Rede Nossas Cidades, os Novos Urbanos ou o Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS Rio), do qual participo. Esse é um dos novos caminhos para o terceiro setor atuar em face de um mundo que acelera, se divide e se torna cada vez mais complexo.