Cohibas de mi vida

por Redação

Saramago, enfim, acordou de seu sonho comunista

Diz a lenda urbana que certa vez, numa data qualquer aí do passado, o Canal da Mancha fechou para o tráfego de navios que faz o vai-e-vem Europa-Grã Bretanha. O motivo era o fog que foi crescendo durante o dia e chegou ao ápice no início da noite. O Times de Londres, e aí entra propriamente a suposta lenda, teria estampado na manhã seguinte: "Canal da Mancha fechado. O continente está isolado".

É famoso e conhecido o esnobismo britânico e a idéia que necessariamente o acompanha, ou seja, a de se sentirem, eles, os ingleses, o centro do universo. Mas essa não é uma prerrogativa inglesa. Acontece com qualquer um que esteja por cima. E os EUA, o centro do universo da vez, não poderia fugir à regra.

Mas às vezes é possível sentir, daqui, o paradoxal sentimento de se estar no centro da Terra e distante do mundo. Nova York, por mais cosmopolita que seja, continua sendo uma cidade americana. É a menos americana de todas as cidades, a mais dedetizada e vacinada contra a cultura americana, mas, ainda assim, é americana.

Daí decorrem muitas coisas e uma delas é a de que se você quiser saber de um assunto que não tenha relação direta com os gringos, que não afete o bolso ou a moral protestante deles, é preciso ler os jornais estrangeiros, qualquer um deles. Não falo da notícia, obviamente, pois esta é coberta até nos confins do Arkansas. Falo do impacto e do significado da notícia.

Por exemplo. No vôo da volta do Brasil pra cá ontem à noite, descobri o incidente todo com os fuzilados do Fidel Castro. Na verdade, o incidente em si eu já tinha conhecimento. Saiu em todo lugar. O que não sabia ainda, e isso sim nunca estaria estampado por aqui, é que Saramago, o deus português do barroco moderno, deu uma declaração simbólica, bombástica e emocionada, sobre sua perda de fé no regime cubano.

Fico contente, exultante mesmo, em saber que Saramago, o José, finalmente atingiu a maioridade política e descobriu que Cuba é um regime ditatorial. Saramago, porém, tem desculpas. Tudo parece maturar lentamente com o prêmio Nobel. Certa vez li uma entrevista em que Saramago declarou que começou a escrever muito tarde na vida, depois dos 40. O portuga, como os vinhos do Porto e o Queijo da Serra, decididamente, só melhora com o tempo.

Minha esperança agora é que Saramago tenha sido acometido por uma espécie de vírus ao estilo Sars e que em suas palestras pelo mundo o gajo contagie a todos do alto de seu palestrar. E seu espirro de consciência ataque com precisão balística intelectuais da língua portuguesa. Fico imaginando as saborosas conseqüências.

Chico Buarque, acometido pela doença, entraria então em estado de transe criativo e lançaria nova canção, cheia de metáforas e eufismos, agora contra o regime cubano. Nada seria mencionado no NY Times, que ignoraria solenemente a importância do fato. Mas a canção faria estréia triunfante, domingo à noite, no Fantástico. Teria até nome pronto: "Os Cohibas que não fumei". O cheiro do charuto apagado seria sentido em todo Mercosul, em choro raivoso da esquerda sul-americana.

Os EUA aparentemente não ouviriam nada, dando de ombros para o fato. Mas tudo estaria anotado no caderninho. No ano seguinte, com passagem de primeira classe, Chico seria chamado à América. O motivo? Ir buscar o seu Grammy para melhor canção sul-americana.

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