Cannabis e coronavírus: o que esperar dessa associação?

por Fabricio Pamplona

Fabrício Pamplona discute essa relação, que passa por saúde mental, filas em dispensários e possibilidade de combate de infecções virais

Espero que estejam todos bem e protegidos, esse período de reclusão está deixando todos meio malucos e perto do limite que a maioria tem estrutura para suportar.

Nessas horas, para muita gente, nada melhor que um baseadinho para relaxar. Mas será que, em tempos de coronavírus, maconha dá barato? Inevitável discutir esse tema.

O primeiro ponto que me vêm à mente quando penso na associação entre maconha e coronavírus é saúde mental, uma preocupação legítima em tempos de reclusão social.

Maconha é relaxante?

Geralmente, sim, para quem já está acostumado, em doses baixas. E pode ajudar bastante a pegar no sono e descansar. Por outro lado, isso depende muito do contexto. Se a pessoa está muito preocupada e pensativa, pode-se esperar um certo risco de paranoia, particularmente, se for a primeira vez.

Então, se você não fuma, provavelmente não é a hora certa de experimentar. E há quem relate aumento de ansiedade ao fumar, o que já se sabe que está ligado ao uso em circunstâncias aversivas, por exemplo, em um lugar exposto ou pouco seguro, e a  certos aspectos genéticos, como mutações dos receptores canabinoides que propiciam o desenvolvimento de ansiedade e paranoia.

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O segundo aspecto são os dispensários. No meio da pandemia, os países em que a cannabis é legalizada tiveram que tomar uma decisão: estes espaços devem permanecer abertos? Pelo menos no Canadá e Estados Unidos, sim.

Os dispensários foram considerados essenciais, garantindo que os pacientes tenham acesso ao seu tratamento, semelhante à abordagem que se teria para uma farmácia. É coerente. Se é considerada medicinal, é essencial, e isso nos dá uma ideia do nível de importância que esses países dão para o tratamento com a Cannabis.

Alguns deles tiveram uma procura enorme da planta nos dispensários mesmo na quarentena (veja, por exemplo, essa notícia da Holanda que menciona filas intermináveis). Muitas dessas pessoas certamente estão apenas buscando um relaxamento, já que vão ter que ficar isolados em casa.

Para quem usa frequentemente, só o risco de faltar, já provoca nervosismo. Não é difícil concluir que o motivo de tanta fila é o receio do desabastecimento. Praticamente, todas as cadeias de abastecimento foram afetadas pela quarentena, e, com o perdão do trocadilho, a da Cannabis não é imune a esse efeito.

Aqui no Brasil, ainda não há disponibilidade real de produtos à base de Cannabis, seja em farmácias ou dispensários, então o desabastecimento não é um risco, é um fato. Mais um serviço essencial que nos faz falta na quarentena, e a necessidade de um paciente brasileiro certamente não é menos essencial do que um canadense ou americano.

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Entre tantas fake news da pandemia, também não faltaram as que ligaram Cannabis e coronavírus. A começar pela notícia de um suposto "estudo" que demonstrou que a maconha tornava o usuário imune ao coronavírus, que obviamente se demonstrou falsa. Depois, apareceu uma pelo menos mais divertida, com o rapper Snoop Dogg sugerindo que "não há casos de coronavírus na Jamaica" – há, sim, casos de Covid-19 no país e nada leva a crer que este seja mais seguro do que qualquer lugar do mundo nesse aspecto. 

Não sei de onde vem essa tara com ficar gerando dado falso, mas a questão em si é relevante, afinal uma parcela da sociedade é usuária, e no Brasil a forma mais consumida é como "baseado", como cigarro, combustão. Esses indivíduos estão mais protegidos ou mais em risco? É uma pergunta válida. Até porque, curiosamente, para surpresa de absolutamente todos, estão surgindo evidências reais de que fumantes (de tabaco) poderiam ter menos chance de ter sintomas do coronavírus.

Dá para acreditar? É muito contra-intuitivo. A matéria é de um jornal inglês, mas cita os dados epidemiológicos de um artigo e faz menção ao Centro de Controle de Doenças, o CDC americano. Se for verdade, pode ser por conta de um fenômeno conhecido como pré-condicionamento, em que um dano menor deixa o organismo "de prontidão" para se proteger contra um dano maior que venha depois. Mas por hora, diria, é pura especulação.

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Há um outro aspecto curioso: o uso da maconha pode ser broncodilatador e, portanto, melhorar a capacidade pulmonar. Isso é verdade. E dá pra acrescentar também estudos bem sérios, inclusive uma tese de doutorado na USP, mostrando que o CBD reduz sensivelmente a inflamação pulmonar gerada por processos infecciosos (o estudo foi com estímulo de bactéria e em animais, mas dá para se especular).

No meio dessa dificuldade toda que estamos vivendo no mundo inteiro, ainda tivemos uma notícia bastante triste que faz mais um elo entre Cannabis e o coronavírus: o falecimento da Charlotte Figi, paciente zero do tratamento de epilepsia refratária com CBD, nos Estados Unidos, que praticamente iniciou todo esse movimento no planeta.

Para o tratamento dessa menina foi desenvolvia uma das primeiras linhagens de Cannabis com alto CBD, rebatizada como Charlotte's Web. E, com a ajuda dessa planta, Charlotte conseguiu viver até os 13 anos, controlando com sucesso as epilepsias que tinha por conta da doença genética Síndrome de Dravet, refratária a diversos outros tratamentos anti-epiléticos.

As informações que temos sobre sua morte é que ela tinha sintomas típicos de uma gripe, que se confirmou ser o novo coronavírus. Aparentemente, o falecimento em si foi resultante de complicações cardiológicas, sem relação direta com infecção pulmonar. 

Há possibilidade do sistema endocanabinoide ser um alvo farmacológico interessante para combater infecções virais, como o coronavírus? Pelo que conheço e me aprofundei um pouco nos últimos tempos, provavelmente, sim.

Seria a Cannabis a melhor "ferramenta" para atingir esse objetivo? Provavelmente, não. Ou, pelo menos, devo dizer que não as linhagens tipicamente disponíveis, para deixar a porta aberta para surpresas.

O futuro certamente nos trará evidências, pois há estímulos para pesquisas com o novo coronavírus, e já estão sendo anunciadas algumas ligadas diretamente ao uso de produtos à base de Cannabis.

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