Fabrício Pamplona: Tá virando tudo mato por aqui

por Fabricio Pamplona

Mesmo sob o fantasma da proibição, as associações crescem e fazem o que ninguém havia conseguido: plantar maconha em grandes proporções para atender a milhares de pacientes brasileiros

Recentemente participei de um painel sobre Cannabis e empreendedorismo no Rio2C - Rio Creative Conference, um evento originalmente do setor audiovisual e que hoje é considerado o maior evento de criatividade e inovação da América Latina. Só de pensar que o tema se tornou impossível de ignorar mesmo num evento dessa proporção já dá uma ideia do quanto a Cannabis já transformou a nossa sociedade nos últimos anos.

Eu participei como palestrante na curadoria "Brain Space", que trata de temas particularmente ligados às neurociências que impactam a sociedade. Estávamos divididos entre representantes de associações, mãe de paciente, profissional de saúde, negócios e eu, possivelmente fazendo o papel do "cientista".

O curioso é que depois de quase 2 décadas trabalhando nessa área a gente ainda encontra gente discutindo e ouvindo sobre o tópico como se fosse a primeira vez. Uma das brincadeiras que profissionais "antigos" de uma área costumam fazer é dizer que "quando cheguei aqui, tudo era mato".

Eu acho que com a Cannabis está acontecendo justamente o contrário. Como estou há muito tempo nessa área, antes de haver qualquer "glamour" sobre esse tópico, já consegui presenciar e participar de muita coisa e afirmo: agora é que está tudo virando mato por aqui. 

Fiquei estupefato com o ritmo de crescimento que as plantações das associações estão tomando. Fora o exemplo típico da Abrace, vimos os exemplos e ouvimos os testemunhos da APEPI e da Cultive, que juntas são provavelmente as 3 maiores associações do Brasil, entre dezenas de outras. Mesmo sob o fantasma da proibição, as associações crescem e conseguem fazer o que ninguém antes havia conseguido: plantar maconha em grandes proporções para atender milhares de pacientes brasileiros. Na foto, as plantações já aparecem como um "matagal" bonito de se ver.

É bem verdade que estamos em um cenário completamente diferente do que tínhamos quando comecei, e na minha perspectiva estamos evoluindo bastante. Já temos uma regulamentação brasileira, os pacientes conseguem ter acesso à Cannabis, a oferta é muito maior e os preços estão caindo vertiginosamente.

Como cientista, aprendi com o exemplo do Prof Carlini que temos o poder do "microfone" e com ele podemos exercer um poder de influência e ajudar a modificar a maneira das pessoas pensarem. Como isso, a sociedade evolui. Como empreendedor, aprendi que podemos usar a energia dos negócios para acelerar ainda mais essa transformação.

Gerar modelos de negócios em que todos ganham e a sociedade evolui é a chave do capitalismo 2.0, em que para se manter de pé, não basta uma empresa gerar receita, ela precisa convencer e ter propósito. Eu acredito que as empresas que mexem com Cannabis tem um grande potencial pra ser assim, e no fundo, acelerar a transformação social enquanto geram negócios com propósito. Esse tema hoje tem sido abordado com a sigla "ESG" no meio corporativo, o que significa realizar uma governança organizacional que leve em consideração aspectos sociais e ambientais.

A plantação de Cannabis gera diversos subprodutos que não tem nada a ver com as drogas, ou mesmo com a versão "atenuada" dos psicotrópicos, que são os medicamentos de uso controlado. 

Particularmente em sua versão "cânhamo", a planta é uma excelente geradora de biomassa e pode ser usada para descontaminação de solo, geração de fibras para indústria têxtil, sementes e óleos para a indústria alimentícia e diversos suplementos, dado sua rica composição nutricional. Há quem acredite que a cultura da Cannabis ajude a atingir alguns dos objetivos de desenvolvimento sustentável da ONU (o famoso "PNUD"), reduzir a desigualdade social, e gerar uma nova e vibrante forma de obtenção de renda para muitas famílias marginalizadas. É fato impossível de se ignorar que recentemente o tema foi debatido no fórum "Regenerative Cannabis Live" realizado na sede da ONU. 

O que interessa pra gente é que esse tópico está intrinsecamente ligado à sustentabilidade e a uma transformação positiva da sociedade, reduzindo preconceito, gerando negócios e salvando vidas. Em breve, talvez tenhamos um cenário político mais favorável e seja aprovado o PL399, que já vem sendo construído desde 2015 por parlamentares brasileiros e entre outras coisas, pretende tornar viável a produção de cânhamo industrial no Brasil.

Por enquanto temos que nos acostumar com a ideia de que a maior plantação de cânhamo da América Latina fica no nosso vizinho Paraguai e de maneira agridoce é conduzida por um agrônomo brasileiro. Começando com as associações de pacientes e alguns corajosos pioneiros transgressores, tudo nos leva a crer que mais cedo ou mais tarde este processo vai evoluir para termos uma legislação nacional. Este é o momento em que definitivamente tudo vai virar mato por aqui. 

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Imagem principal: Unsplash / Reprodução

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