Fabrício Pamplona: "Maconha sintética" é legal?

por Fabricio Pamplona

A proibição do uso da maconha faz com o que o tráfico busque alternativas. Em geral, substâncias mais potentes e de pequeno volume, como as chamadas K2 e Spice

Enquanto debatemos a descriminalização do porte da maconha no Brasil e a discussão avança a passos de uma lesma (chapada), se arrastando ao longo dos anos, surge no horizonte um problema bem mais sério com que as autoridades deveriam se preocupar: os derivados sintéticos dos canabinoides, apelidado de "maconha sintética". 

Os nomes "de rua" dessas substâncias são os mais diversos possíveis, mas os apelidos mais comuns são o Spice e K2. Essa "novidade" chegou há pouco no Brasil, mas elas já existem há pelo menos 15 anos no exterior, segundo o site "Erowid", especializado na descrição dos efeitos de substâncias psicoativas usadas de forma recreativa. 

Mas cá entre nós, maconha pode ser sintética?

Esse conceito de "maconha sintética" já surgiu mais de uma vez na mídia, em notícias muitas vezes mostrando os perigos de "outras substâncias semelhantes à maconha, mas de origem sintética". Outras tentam esclarecer o tópico e confundem ainda mais, exigindo uma verdadeira ginástica mental para se compreender do que se trata. Como exemplo, esses dias li uma boa, falando que "...embora não tenha cannabis na composição, a maconha sintética tem se popularizado".

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A verdade é que existem, sim, compostos sintéticos semelhantes aos canabinoides presentes na maconha, principalmente semelhantes ao THC. Mas nem de longe uma substância como essa pode ser considerada "maconha". Primeiro que maconha é uma planta, e como tal, com uma composição bastante diversa entre diversas classes de compostos, mas não se restringindo aos canabinoides.

Segundo que os efeitos costumam ser diferentes. Enquanto os efeitos dos canabinoides da maconha nos usuários são bastante conhecidos: letargia, olhos vermelhos, fome, sonolência, aceleração de pensamento, euforia, taquicardia, entre outros; os efeitos desses canabinoides sintéticos são uma incógnita. Afinal, trata-se de substâncias novas, muitas vezes obtidas pelo processo de "semi-síntese" ou "síntese" química, formando derivados dos canabinoides dos quais ninguém nunca ouviu falar.

Aliás, ouviram, sim. Os cientistas da área estão familiarizados com as siglas WIN55212-2, CP55940, HU-210, que aparentemente foram os primeiros "Spices". Sabe onde se encontram estas substâncias? No laboratório! E algumas delas, como o "CP", podem ser mais potentes que o próprio THC. Mais recentemente, surgiram também as derivações hidrogenadas do THC, como o hexahidrocanabinol (HHC), HHCP e HHCO, o metabólito 6-hidroxi-THC (6-OH-THC) e uma derivação do CBD, conhecida como H4-CBD. Estas substâncias se juntam ao já famoso "delta-8-THC", que é extraído da planta. 

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O intuito destas variações é burlar a regulamentação, como explico abaixo em detalhes. Mas a questão é: você fumaria algo que não faz a menor ideia do que seja? Quem alimenta esse mercado?

É isso que os usuários que optam por estas substâncias estão fazendo. Como são variações das moléculas originais, os efeitos são imprevisíveis. O que quero dizer com isso é que além dos efeitos canabinoides típicos, é possível que se obtenham também efeitos adversos diferentes, já relatados na literatura médica, como uma euforia descomunal. Também há risco conhecido de arritmias, problemas cardíacos, AVC, psicose, convulsões e insuficiência renal. 

Com tanto risco assim, como essas substâncias vieram a público? A questão toda tem a ver com o próprio mecanismo de inibição do tráfico de drogas. A proibição do uso da maconha, assim como já aconteceu com outras drogas de origem natural, faz com o que o tráfico comece a buscar alternativas. Em geral, substâncias mais potentes, de pequeno volume e preferencialmente sem constar em nenhuma lista de substâncias proscritas (no Brasil vale a lista da RDC384/98 e suas atualizações). 

É algo curioso, como as substâncias derivadas são novas, e potencialmente ainda não foram nomeadas nessa lista, pode-se considerar que elas não são proibidas. E é daí que surge esse "limbo" regulatório até que se identifique, caracterize e adicione novas substâncias nesta lista para que a polícia possa considerar uma apreensão como tráfico de substâncias ilícitas. No entanto, é uma questão de tempo para se criar uma regulamentação para a "maconha sintética". E também é uma questão de tempo para se obter novas derivações, criando um ciclo interminável de tentativa de controle, característico da guerra às drogas.

Regulamentar a posse de maconha, no final das contas, pode ser uma solução muito mais inteligente.

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Imagem principal: Unsplash

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