O advogado que dá cara a tapa na internet nos ajuda a traduzir conceitos do Direito e fala sobre sua participação no Cala Boca Já Morreu, iniciativa de Felipe Neto
Pandemia, crise política, guerra de narrativas na internet. Foi em meio ao caos da cena pública brasileira que o advogado criminalista Augusto de Arruda Botelho se tornou um rosto conhecido. Entre abril e julho do ano passado, Botelho participou do programa o “O Grande Debate”, da CNN Brasil, e depois seguiu usando suas redes sociais para explicar conceitos e situações complexas para quem está afim de conversar sobre os caminhos pelos quais estamos enveredando. "Um debate nem sempre é sobre ter um vitorioso. Às vezes, um bom debate é aquele em que você se convence do contrário. Ou que, pelo menos, você ouve os argumentos de quem pensa diferente de você. Não precisamos estar sempre, como em uma campanha política, querendo angariar votos e agradar ouvidos. O debate, ao fim e ao cabo, se trata disso: de também ouvir", diz.
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Arruda integra também o time de advogados que colabora com o projeto Cala Boca Já Morreu, fundado por Felipe Neto para defender pessoas que estão sendo investigadas criminal ou administrativamente por criticar uma autoridade pública. "Decidi participar dessa iniciativa por entender que um dos pilares do Estado Democrático de Direito é justamente essa liberdade de criticar, de se expressar (ainda que veementemente) cobrando autoridades públicas: quaisquer autoridade pública. É essencial para a democracia que a voz nunca seja calada, o que é completamente diferente de permitir que um discurso incite a prática de crime, faça uso de palavras de ódio, ou proponha rupturas institucionais. É essa a régua para aceitação de casos do Cala Boca Já Morreu. Você pode criticar quem você quiser, mas deve fazer isso respeitando as regras legais."
Como termos específicos do Direito estão cada vez mais presentes no noticiário brasileiro, Botelho escreveu um glossário pra te ajudar a traduzir o juridiquês. Se liga no nosso papo com ele:
Trip. Como você imaginou que seria ser advogado no Brasil e como realmente é?
Augusto de Arruda Botelho. Eu nunca imaginei que seria fácil, mas algumas dificuldades que encontrei durante o caminho me surpreenderam. A advocacia criminal, área em que atuo há 20 anos, é muitas vezes incompreendida e bastante impopular, mas eu nunca imaginei que em determinados momentos a figura de um criminalista fosse ser vista como um aliado da impunidade, como um eventual protetor daqueles que praticam crimes. Não somos isso, muito pelo contrário, somos a voz dos direitos legais que todo o cidadão tem, seja ele inocente ou culpado, acusado de um crime grave ou não.
Como foi sua experiência na CNN Brasil? Por que saiu? A minha experiência na CNN foi muito positiva. Primeiro, porque pude falar para um número muito grande de pessoas: consegui furar a bolha. Também tive a oportunidade de estudar bastante, já que os temas dos debates nem sempre eram temas que eu dominava. Então, além de tudo, a CNN foi uma escola. Resolvi sair porque quando aceitei esse desafio estávamos num momento em que as atividades profissionais estavam quase paralisadas – no começo da pandemia. Com a volta, ainda que gradativa, da justiça brasileira, ficou impossível conciliar o meu trabalho de advogado com o compromisso de participar diariamente de um programa de televisão.
Por que decidiu investir em um contato mais direto com o público? Vejo o contato com o público, principalmente com o público não familiarizado com o dia a dia da justiça, essencial. Julgamentos hoje são televisionados, são comentados por toda e qualquer pessoa, inclusive por aqueles sem qualquer conhecimento jurídico. Portanto, ao falar com o público, seja em entrevistas ou nas redes sociais, minha intenção é tentar traduzir um pouco essa realidade e, principalmente, desmistificar alguns folclores que as pessoas têm sobre a justiça, em especial sobre a justiça criminal.
Como é o feedback das pessoas? O que elas te pedem? O feedback é incrível. Recebo muito apoio, muitos elogios, muitos pedidos para comentar os mais variados temas da atualidade, mas também recebo muitos xingamentos, críticas e até ameaças. Não me importo com elas, faz parte. No entanto, o feedback que eu mais gosto de receber é daqueles que não pensam como eu e, a partir de alguma reflexão minha, ou mudaram de ideia ou pelo menos se deram o direito de refletir mais. A mensagem que eu mais gosto de receber é essa: “Augusto, penso diferente de você e não concordo com nada, ou quase nada, que você fala, mas sobre esse tema específico eu vou pensar melhor” ou até “mudei de ideia”.
Qual a principal contribuição que você acredita que pode ter para o debate público? A minha principal contribuição pro debate público é fazer com que as pessoas tenham a noção de que um debate nem sempre é sobre vitória. Nem sempre é sobre ter um vitorioso. Às vezes, um bom debate é aquele em que você se convence do contrário. É aquele em que, pelo menos, você ouve os argumentos de quem pensa diferente de você. Nesses tempos tão binários e tão divididos é essencial que saibamos ouvir. Sem isso, um debate vira um monólogo. Não precisamos estar sempre, como em uma campanha política, querendo angariar votos e agradar ouvidos. O debate, ao fim e ao cabo, se trata disso: de também ouvir.
O que é o Cala Boca Já Morreu? Por que você está participando? O Cala Boca Já Morreu é uma iniciativa do Felipe Neto e de alguns escritórios de advocacia, dentre eles o meu. Basicamente, nós nos propusemos a defender gratuitamente pessoas que são investigadas ou processadas por terem criticado um governante. Qualquer governante, seja ele do partido ou ideologia que for. Ultimamente, temos observado uma escalada autoritária no Governo Federal. Através de uma série de atos e medidas e, recentemente, com o uso da malfadada Lei de Segurança Nacional, estão perseguindo pessoas que se oponham ou critiquem o atual Governo Federal. Decidi participar dessa iniciativa por entender que um dos pilares do Estado Democrático de Direito é justamente essa liberdade de criticar, de se expressar (ainda que veementemente) cobrando autoridades públicas: quaisquer autoridade pública. É essencial para a democracia que a voz nunca seja calada, o que é completamente diferente de permitir que um discurso incite a prática de crime, faça uso de palavras de ódio, ou proponha rupturas institucionais. É essa a régua, o critério, para aceitação de casos do Cala Boca Já Morreu. Você pode criticar quem você quiser, mas deve fazer isso respeitando as regras legais.
Glossário de juridiquês, por Augusto de Arruda Botelho
Indiciado. Esse termo assusta muito mais do que ele realmente significa na prática. Ser indiciado significa que você está sendo investigado. Não quer dizer que você está sendo ou será processado e muito menos que foi ou será condenado. É apenas um termo jurídico administrativo que diz que você está sendo investigado.
Liminar. A liminar é um pedido de urgência dentro de um recurso. Se uma pessoa está presa e apresenta um Habeas Corpus, este Habeas Corpus pode, muitas vezes, demorar meses para ser julgado. O pedido liminar é um pedido imediato, de urgência, decidido por apenas um juiz e que precisará ser confirmado ou não quando do julgamento deste Habeas Corpus.
Prisão temporária vs Prisão preventiva. Para muitos a diferença entre essas duas modalidades de prisão cautelar é a que a prisão temporária tem um prazo para terminar, enquanto que a preventiva não tem. Ledo engano. Esta sequer é uma realidade, já que a preventiva não pode ser eterna, mas está longe de ser a diferença maior entre elas. A prisão temporária é uma prisão voltada para a investigação, já a prisão preventiva é uma prisão que pode ser decretada para proteger a sociedade ou proteger o bom andamento de um processo.
O direito ao silêncio. Uma das garantias constitucionais mais importantes a todo e qualquer acusado, independentemente de ser ele inocente ou culpado, é o direito de não produzir provas contra si mesmo. Uma das traduções desse direito é justamente a possibilidade de ficar em silêncio, e esse silêncio jamais ser usado contra você. Outra possibilidade que traduz bem esse direito é a de que você não precisa participar da produção de nenhuma prova, como perícias, reconstituições do crime, etc.
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