Alex Atala Nu e Cru

por Fernando Paiva
Trip #143

Principal chef do país, Atala acha que a gastronomia virou a coisa mais pentelha do mundo. A seguir, o ex-punk explica por que estende seu dedo do meio para o afrescalhamento da arte de comer

Entrevistar o chef Alex Atala naquilo que a física chama de CNTP, condições normais de temperatura e pressão, é tarefa impossível. Ou quase, já que as “condições normais” deste paulistano nascido na Mooca e criado na Vila Eucli­des, em São Bernardo do Campo, significam invaria­vel­mente alta temperatura e enorme pressão. E bota tem­­pe­ratura e pressão nisso.

Alex não pára. Em São Paulo, de segunda a sábado, das nove às duas da manhã, se dedica ao D.O.M., seu premiado restaurante nos Jardins. Tem também um programa sema­nal no canal a cabo GNT. Se não está na cidade, provavelmente está na Europa, convidado para alguma importante mostra de gastronomia. Pode também estar na Amazônia, em sua insaciável busca por novos sabores, ingredientes e técnicas culinárias. Por isso, sempre que pode, cronometra o tempo livre entre a família (a mulher, Marcia, e os filhos Pedro, Tomás e Joana) e os pratos. Sim, Alex adora quebrar pratos. Faz isso aos domingos, com uma espingarda calibre 12. “O tiro ao prato é uma maneira de ficar perto de uma das minhas paixões, a caça.”

Alex adora caçar. Pode ser na África, no Canadá, na Argentina ou na Ilha da Queimada Grande, no litoral paulista. Fanático por caça submarina, quando tem tempo prefere buscar a própria comida embaixo d’água. Ex-punk, com cerca de 20 tatuagens pelo corpo (“nunca contei”), é um cara de muita atitude, como se verá. Esta entrevista, que começou no D.O.M., depois de um striptease do protagonista, prosseguiu dentro do carro e terminou na casa de Alex. O celular tocou “apenas” 22 vezes. CNTP.

Como é que você entrou nesse negócio de comida? Entrei sem querer, cara. Entrei porque eu era um punk maluco e queria mo­rar fora do Brasil. Fui para a Bélgica em 1989, precisava ga­nhar uma grana, fui pintar parede. Pintando pare­de, descobri a cozi­nha e comecei a ganhar uma grana cozi­nhando. Ou seja, atirei no que vi e acertei no que não vi.

Pintar parede não dava mais dinheiro? A gente pintava parede, mas era um trabalho irregular. E eu precisava de um emprego fixo pra conseguir um visto, regula­rizar minha situação, não ser um clandestino. Um amigo, que fazia hotelaria, me deu a dica. Me matriculei no curso e comecei a cozinhar.

Por que você resolveu ir justamente para a Bélgica? De onda, cara. Eu era do punk rock, sempre gostei daquelas músicas. Eu sou do subúrbio, nasci na Mooca, em São Paulo, e cresci no ABC paulista, em São Bernardo. Fui um moleque branquelo e ruivo, não via gente igual a mim. Eu via gente morena ou de cabelo pi­xaim. O dia em que descobri o punk rock, me vi na atitude. E disse: “É isso que eu quero ser, é gente igual a mim”. E fui [o celular toca. É seu Milad Atala, pai de Alex, cumprimentando o fi­lho pelo D.O.M. ter sido esco­lhido pela revista inglesa Restaurant Magazine um dos 50 melhores restaurantes do mundo].

Você está então entre os 50 melhores? Ainda não tive acesso à lista, mas parece que o único latino-americano, do México para baixo, é o D.O.M.

Parabéns. Escuta, o que diriam seus amigos punks de São Bernardo vendo você alimentar os bacanas de São Paulo? Os radicais vão dizer que eu me vendi pro sistema. Os que não pararam no tempo vão dizer: “Pô, o cara deu certo”. É isso.

Simples assim? Tão simples quanto pode ser.

Você diz que atirou no que viu e acertou no que não viu, quando começou a cozinhar. Nunca havia pensado em se tornar um chef? Não. Minha vontade na vida era ter sido um veterinário, um biólogo. Se eu tivesse tido oportunidade era o que eu queria ter feito. Minha relação com a natureza é o meu coração. Mas eu fui um cara que esperava muito pouco da vida, não tinha ho­rizonte, não estudei muito.

Você terminou o colegial e foi viajar? Terminei o colegial no supletivo, depois de ter voltado dessa viagem. Não sei se você sabe, eu fui estagiário da Trip. Trabalhei um mês na revista.

Ah é? Entre uma ida e outra para a Europa, eu estagiei na Trip. É que comecei a cozinhar numa época em que isso era coisa de analfabeto, nordestino ou veado. Então, não me via cozinhando pro resto da vida, queria me encontrar, eu não tinha outra coisa. Aliás, tinha: talvez o meu maior capital já estivesse lá, que era conhecer pessoas. Conhecia muita gente. O Paulo Lima me chamou: “Porra, por que você não vai lá pra Trip? Eu gosto de você, você é um cara batalhador. A gente precisa desse san­gue”. Já tinha o Arthur Veríssimo, que é meu companheiro de malu­quices desde moleque, e me dava bem com o Dandão [o jorna­lista Fernando Costa Netto], que estava na revista. Achei ba­­ca­na e disse: “Esse é um mundo de gente legal, quero participar dele”. Mas não nasci pra ser... 

... jornalista? Eu nasci um cara errado [risos]. Dei certo sem querer.


Escuta, o que você comia antes de começar a cozinhar?
Qualquer coisa.

Junk food? Mas até hoje eu sou assim. Não tem essa frescura, as pessoas me vêem e pensam que sou...

... super-refinado? Olha, eu nasci do jeito que nasci e vou morrer do jeito que eu sou, cara, não vou mudar. Já recusei um gran­de trabalho na vida porque o cara veio me falar que eu tinha de mudar minha postura, tinha de trabalhar com manga comprida. Eu mandei tomar no cu, bicho! Porque eu não vou deixar de ser o que sou pra ganhar uma grana a mais. Não vou, não vou.

O sujeito queria um chef mais enquadrado, é isso? É, é. Porque o cara me achava talentoso, mas me achava um escroto, vamos falar assim [risos]. Ele queria que eu tivesse uma atitude mais francófila. Que até dentro da França, hoje em dia, anda decadente, graças a Deus.

E você recusou... É, eu recusei e estou muito feliz por ter recusado, acho que valeu a pena ter peitado a briga. Eu não sei o quan­to eu sou punk [risos]. Realmente tenho dúvidas. Sei que não sou um cara da sociedade, não estou a fim de “ver e ser vis­to”. Quero fazer a minha vida, do meu canto. Me deixem em paz, por favor.

Mas espera aí: você não acha que aparece demais na mídia? Eu acho, eu acho, eu acho.

Isso é para ficar mais conhecido e trazer mais clientes para o seu restaurante ou é só chinfra sua? Parte da minha história, não só comigo, como personagem, mas comigo e com os meus meninos, aqueles que trabalham comigo na cozinha, que são meninos com histórias muito parecidas com a minha, garotada que tá vindo de baixo aí, e trabalhando duro, enfim, minha história é tentar mostrar pra eles que na hora do trabalho é trabalho. Na hora de cozinhar, vamos fazer o melhor. Saiu do trabalho, vale tudo. Dou uma pilha tremenda pra eles. E também quero ser um cara acessível, por isso atendo bem qualquer pessoa. Pode ser jornalista, vendedor de bebida, fornecedor. Acho isso fundamental, porque parte da barreira que quebrei no Brasil é essa coisa de que chef tem de ser francês ou tem de ser gringo ou tem de ser popopó. Gastronomia virou a coisa mais babaca e pentelha nos últimos anos...

Por quê? Porque é muito cheia de invólucro, de novo riquismo, e não precisa disso. Uma boa comida pode ser um sanduíche na esquina — desde que haja bons ingredientes e um bom procedimento; pode ser uma coxinha, um pastel. Não tem nada de errado com isso. Comida boa é bom ingrediente e bom método.

Escuta, comida precisa ser feita com amor ou isso é cascata? Tem de ser feita com entrega, não adianta. A cozinha tem uma prerrogativa: você pode ter ingredientes maravilhosos e por qualquer motivo fazer uma porcaria de prato. Mas nem com a melhor técnica e a maior concentração vai fazer um grande prato com porcaria. É isso.

Entrega, nesse caso, não é sinônimo de amor? O amor vem da cozinha afetiva, da cozinha familiar. Daquela mulher que realmente tem prazer de dar prazer pras crianças, de alimentar, de produzir coisas que as pessoas vão engolir. Então, existe um ato de amor sim, maternal, a cozinha tem essa faculdade. Na cozi­nha profissional, se você não for um amante da sua profissão, não vai agüentar. Porque é almoço e jantar todo dia! É, acho que a palavra amor permeia toda a vida de um cozinheiro. Agora, não adianta amar a profissão e, na hora que você entra numa cozinha, ficar fazendo piada. Esquecer de provar uma comida, salgar de qualquer jeito, pegar um peixe e não guardar na geladeira. Porra, a comida de alta qualidade é um processo de muitas variáveis.



Que variáveis são essas?
Começa na seleção do seu produto, na manutenção do seu produto, na transformação do seu produto. E não adianta você fazer um prato maravi­lhoso se não tiver um cara decente, sorridente e rápido pra botar na frente do comensal na mesma hora. Hoje em dia virou essa coisa de que o cozi­nheiro é o bacana. Fico incomodado, porque sem garçom não tem bom cozi­nheiro, sem um grande serviço de sala não tem um grande restaurante, sem um bom setor de compras não tem um bom restaurante.

O que você gosta de comer? Qualquer coisa.

Mesmo? Qualquer coisa. Não tenho essa, você conhece os pro­blemas dos lugares do Brasil por onde andei. Você acha que tem comidas maravilhosas lá? Ou você acha que nas minha férias fico cozinhando pra mim mesmo? Cara, eu não sou um batedor de punheta, não sou um cozinheiro 24 horas por dia, prefiro sair e sentar e receber o prazer de comer dessas pessoas também. Mesmo que não seja da maior qualidade. São dois momentos da vida completamente diferentes. Eu vivo falando assim: “Eu amo cozinhar, eu não gosto de trabalhar”. Trabalhar me enche o saco, porque é uma puta pressão, cara.

Por quê? Eu tenho um restaurante que custa caro, quem vai lá está se dando um presente ou está recebendo um presente de alguém. Ou seja, o sujeito chega com uma puta expectativa. E a minha margem de erro é nenhuma, cara. Tenho de trabalhar perfeito e rápido. E a pressa é inimiga da perfeição. Todo mun­do en­tende isso desde criança. Então, dentro do restauran­te, a pres­são é muito grande. E ainda tenho de estar sempre com cara de...

Desculpe a insistência, mas você não tem mesmo um prato preferido? Graças a Deus, não, cara.

Nem prato de mãe? Olhe, o que me emociona é o bom ingredien­te. Outro dia fiquei que nem uma criança num restaurante, porque provei uma bananinha-ouro absurda de boa. Eu como aquilo com o mesmo prazer que como uma trufa de Alba, ou um prato que minha mãe me faz. Um grande produto me emociona. Você receber uma erva da Amazônia e saber que, porra, na sua frente tem um pedaço da selva, acho do caralho! Já paguei 4000 dólares pra ter trufas no meu restaurante. Não é só um sabor — é também um pedaço da natureza que veio de longe, que só existe naquele lugar. Por outro lado, há as receitas afetivas, coisas que vêm da sua infância.

Por exemplo? Rabada. Rabada para mim é um prato afetivo. Um bifinho é um prato duas vezes afetivo, porque me lembro, muito criança, de pedir pra minha mãe um quilo de bife de presente de aniversário.

Um quilo? É, um quilo, eu queria comer bife até morrer [risos]. Disso eu não me esqueço nunca.

Era filé mignon? Não, era alcatra [risos]. É que todo dia eu ia ao açougue comprar pra minha mãe um quilo de alcatra. Mas, no meu aniversário, queria só para mim. Ou seja, essas comidas não valem pela qualidade gustativa, mas pelo registro emocio­nal. Me lembro também de ir caçar macuco com meu avô, na Serra do Mar, e ele gostava de pinga com cambuci. Aí, ele me da­va o cambuci, a frutinha para comer. Esses são sabores especiais.

Por falar em sensação, o que um chef de cozinha sente quando quebra um prato? Nada, cara. É um exercício ligado a duas coisas que eu amo, caçar e pescar.

E você é bom de tiro ao prato? Atiro razoavelmente bem. Já che­guei a acertar séries consecutivas de 25 pratos. Agora, acertar e errar são inerentes ao exercício do hobby, da profissão, da vida. Saber aceitar o erro é o primeiro fundamento, talvez a maior lição que eu tenho da pesca, da caça e do tiro esportivo. É bom saber que a gente erra, erra muito — e não se doer por isso, cara. 

Você atira para relaxar? Não sou um atleta do tiro. Sou um pra­ticante do esporte da maneira mais despretensiosa. Traba­lho de segunda a sexta, das nove da manhã às duas da madrugada, no mínimo. Aos sábados tenho o dia livre, mas às oito da noite já estou no restaurante, e aí também vou até as duas da manhã...

... e, quando chega o domingo, você quer mais é quebrar pratos. Domingo é o dia que tenho para mim. Aproveito para ficar com meus filhos e reservo duas ou três horas para ir ao Clube Pau­listano de Tiro, encontrar meus amigos de pesca, de caça e de tiro, sabe?

Sei. Tem de tudo ali: a gente junta todo tipo de mentiroso [risos] e se diverte. Não vou ali para me afirmar, competir nem nada. É um momento da semana que me dou de presente. É que nos úl­timos anos da minha vida, principalmente depois que abri o D.O.M., tenho pescado muito menos, caçado muito menos, ido bem menos à praia. E eu adoro tudo isso.

O D.O.M. é de 1999. Isso quer dizer que você está de castigo há sete anos? É, mas você sabe que louco e puta não mudam: descansam, né? Eu estou só dando um tempo [risos]. Logo, logo eu tô de volta.

Então vamos voltar pro começo: com quem você aprendeu a gostar disso tudo? Com meu pai e meu avô. Desde bem peque­no acompanhava os dois na pescaria. Meu pai tinha casa em Caraguatatuba [litoral norte paulista] e a gente ia muito para a praia Dura, em Ubatuba, pescar no costão. Só que para chegar lá era a maior mão-de-obra, tinha que caminhar pela trilha e tal. Um dia, vi um cara saindo d’água, de arpão na mão, carregado de peixe, e falei: “Pô, esse meu pai e meu avô não sabem nada. Tem um jeito mais fácil de pegar peixe que é enfiar a cara n’água” [rindo].

Que idade você tinha? Uns 7, 8 anos no máximo. Na épo­ca, meu pai, que sempre mexeu com produtos de borracha, trabalha­va numa empresa chamada Filex, e eles estavam com uns protó­tipos de equipamento de mergulho. Aí me deram esse equipamentinho básico e foi a primeira vez que enfiei a cara embaixo d’água.

E caçar? A mesma coisa. Muito menino, eu já caçava passari­nho de estilingue, depois de espingardinha de chumbo, aí com espingarda de verdade. Comecei acompanhando meu avô na Serra do Mar. Depois, meu pai vendeu a casa de Caraguatatuba e comprou uma fazendo em Marzagão, Goiás. E tinha muito perdiz, codorninha, pomba. Com 12 anos, ganhei uma espingarda Beretta calibre 28. 

Dois anos depois, aos 14, você saiu de casa. Pois é, saí de São Bernardo e vim para São Paulo. Estudava no Bandeiras e morava numa república na Cristiano Viana, em Pinheiros.

Como você fazia para se manter? Eu trabalhei anos na Clau­mar. Uma das principais lojas de caça submarina e mergulho de São Paulo. Pois é, foi meu primeiro emprego. E aprendi muito com o Claudião Guardabassi, o dono da Claumar. Me ensinou não só a pescar melhor. Foi a primeira referência externa que mostrou que a base que meu avô e meu pai haviam me dado estava certa.

Como assim? Para mim, ele foi um mestre. A admiração que tenho por ele vai muito além da caça submarina. Guardabassi é um cara com uma puta postura ecológica, grande pescador e um puta bom caráter. Me ensinou como é ser homem. Por alguma coincidência da vida, meu modelo de ética pessoal sempre este­ve relacionado a caçadores e pescadores.

Você fazia o que na Claumar? Tudo. Ganhava um salário mínimo para montar corda de bóia, ajudar a consertar arpão, a contar estoque, arrumar vitrine e carregar cilindro de ar comprimido.

E você aproveitou para fazer um curso de mergulho com cilindro? Por incrível que pareça, não. Sou caçador submarino, cara. A minha relação com o fundo do mar é pescar.

Sempre no peito? Só no peito.

Qual é a sensação de caçar? Vou te explicar uma coisa: caçar com arma de fogo, caçar de arco-e-flecha, fazer caça submarina ou pes­car, em tudo isso você só consegue bons resultados se es­tiver realmente em harmonia com a natureza. Se você não interfere no meio ambiente, a caça passa a ser producente. Na caça submarina, apesar do pouco tempo de imersão, se vocêfizer um mer­gulho tranqüilo, com movimentos suaves, os pei­xes vêm te ver.

Tem de estar integrado. Integrado na natureza. Os melhores peixes que matei na minha vida eu não consegui por ser me­lhor do que ninguém, foi porque eu estava ali, sem interferir na pai­sagem. Para isso, você tem de saber ler um rio, entender onde o peixe mora, por que mora ali, o que come. Caso contrário, não é pescaria, é loteria.

Você já passou algum apuro no mar? Passei um apuro na Bahia, na região dos Abrolhos, num lugar chamado Popa Verde. Vai muito pouca gente lá porque tem muito tubarão.

Como foi? Atirei num tubarão, num galha-preta, e não conseguimos embarcá-lo. Ele saiu nadando, eu rebocado pela corda do arpão e, para piorar, eu estava sem bóia, uma imprudência minha. O fato é que eu não imaginava que fosse arpoar um peixe tão grande, mais de dois metros de comprimento, e o barco me perdeu de vista.

Por que você não largou a arma? Não quis perdê-la. O peixe me arrastou muito e, quando percebi, estava a uns 100 metros do barco. Com a água revolta, virei um pontinho no oceano: eu via o barco, mas eles não me viam. E eu com a porra daquele peixe na linha, um tubarão grande pra ca­ralho [risos].

Bateu um desespero? Não. Fiquei o tempo todo tranqüilo. Finalmente, o arpão se soltou do bicho. Só que aí comecei a ser levado para fora do parcel pela corrente. E o pessoal do barco tentando me achar.

O que você fez? Recolhi o arpão com a carretilha, armei novamente e achei outro peixe bom, mas menor. Deixei ele entocar de propósito, pois eu já estava muito cansado de nadar. Aí, usei o peixe como âncora, tirei a nadadeira do pé e comecei a sinalizar para o barco, que acabou me localizando.

Quanto tempo durou tudo isso? Uma hora, mais ou menos.

Putz! Escuta, e qual a maior besteira que você já fez em terra, como chef? Várias, cara, várias. Mas a maior foi quando resolvi servir crista de galo.

Crista de galo? É uma fina iguaria do século 16, comida de reis. É feita como um confit, ou seja, cozida em gordura devagarinho. E foi uma tremenda cagada que fiz, quer dizer, não porque eu achasse que o prato não estava bom. Estou convencido e vou morrer acreditando que aquilo é muito bom. Afinal, eu não es­ta­va inventando porra nenhuma, era uma referência histórica...

Qual foi a reação dos clientes? Ah, queriam me linchar quando eu botava na mesa.

Vou dizer o nome de alguns restaurantes paulistanos e gostaria que você comentasse, ok? Ok.

Massimo. É um restaurante fundamental para a história da gastronomia brasileira, como o La Tambouille, do Giancarlo Bolla. Embora sejam trabalhos datados, acho que deveriam ter mais reconhecimento atualmente.

Fasano. Classicão, classicão, bacana.

Gero. Correto, correto.

Parigi. Prefiro o Gero. Minha restrição ao Parigi é que parece ser um restaurante na linha “ah, se você gosta de comida ita­liana, tem; se não gosta, tem francesa; e se quiser alguma outra coisa a gente também faz”. 

Tordesilhas. Um grande restaurante, acho a Mara uma figura fundamental, uma tremenda pioneira. A casa tem limitações no refinamento e no investimento. A Mara precisava de um sócio pra bancá-la de verdade.

Jun Sakamoto. Grande, grande, grande, grande. Sempre que vou lá, saio me perguntando: “Por que é que não venho mais vezes aqui?”. Também gosto muito do Shin-Zushi, no Paraíso, aonde vai muito japa.

Como pescador e chef, você deve ser muito exigente em relação aos japoneses... Pois é, nesse ponto gosto do Hideki, na rua dos Pinheiros, porque o dono e os sushimen também são pescadores. Então eu vou lá e, como eles sabem que gosto de pescar e o que gosto de comer, tem sempre uma frescurinha pra mim. Sou muito mimado, é uma delícia...

A Figueira Rubayat. É um restaurante turístico. O grupo Ru­bayat é outra história. Mas a Figueira é um restaurante turístico como os que existem no mundo inteiro: a Cabaña Las Lillas, em Buenos Aires, o Peter Luger, em Nova York. Gringo já desce no Brasil com o nome A Figueira anotado num papel. E isso é do cacete. A carne é correta.

Onde você gosta de comer carne? Fogo de Chão. Comi muitas vezes e muito bem lá.

Que pizzarias você freqüenta? Vou à Bráz e gosto demais da Venite, ali na frente do Instituto Biológico. É uma pizzinha de massa fina que parece um papel. O lugar é simples, meio bagaceiro, mas a pizza é demais.

Só pra terminar: o que é melhor, comer ou comer? Ah, eu gosto de comer [risos]. Não passo sem comida nem sexo. Gosto de comer ao quadrado.

Créditos

Fotos Marcos Vilas Boas

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