Youssef: ”Chilenos protestam por universidades, por que brasileiros não se mobilizam?”
Não existem universidades gratuitas no Chile. A mensalidade cobrada em universidades públicas (que também são pagas) pode chegar a US$ 400. Os programas de crédito estudantil geram muitas dívidas para os jovens beneficiários. Com juros altíssimos por serem operados por bancos privados, os programas de crédito estudantil, que deveriam resolver o problema, acabaram se transformando em um dos motivos da maior mobilização pública desde a redemocratização do país.
Os protestos começaram em maio deste ano. Alunos de ensino médio e universitários mobilizaram professores, pais e sindicatos. Apesar de o governo ter trocado o ministro da Educação e proposto uma reforma na área, os estudantes não engoliram e chegaram a colocar 100 mil pessoas nas ruas de Santiago. O que querem é a alteração do modelo que foi instaurado durante a ditadura militar do país.
Não demorou muito para o presidente Sebastián Piñera – que, diga-se de passagem, ficou mundialmente conhecido por tentar capitalizar politicamente o resgate dos mineiros chilenos – apelar para a truculência e resgatar um decreto da época do Pinochet (meu Deus!) que dificulta mobilizações públicas.
Apesar da justa motivação das manifestações, confesso que fiquei surpreso com a mobilização chilena. Desde que eu passei a prestar atenção em políticas públicas, o país vizinho sempre foi celebrado como um exemplo de desenvolvimento alternativo dentro da América Latina. Na educação, nosso tema, possui o menor índice de analfabetismo, apenas 3,5%.
Um país analfabeto
No Brasil, segundo o censo 2010, existem 14 milhões de analfabetos, cerca de 8% da população. Além disso, existe o impressionante analfabetismo funcional, que, segundo o IBGE, está relacionado a pessoas que possuem menos de quatro anos de estudo. Os números são chocantes. De acordo com os últimos dados do Indicador Nacional de Analfabetismo Funcional (Inaf), 75% dos brasileiros são considerados analfabetos funcionais. Isso mesmo: três em cada quatro brasileiros. Destes, 8% são analfabetos absolutos, 30% leem, mas compreendem muito pouco e 37% entendem alguma coisa, mas são incapazes de interpretar e relacionar informações. Impressionante, não?
Apesar dos números alarmantes, por aqui as ações e os programas do governo focaram em abrir espaço para o ensino universitário. O Prouni facilitou o acesso à universidade para 748 mil alunos, com financiamento integral de 70% das bolsas. Outro bom exemplo é o recém-anunciado Ciência sem Fronteiras, que garantirá vagas nas melhores universidades do mundo para cerca de 100 mil estudantes. Mas e a educação básica? E o analfabetismo funcional?
A verdade é que o país comemorou a meta de universalizar a educação, atingida ainda no governo FHC. “Toda criança na escola” foi um slogan muito divulgado. O problema parece ser que ninguém se preocupou em mantê-las na escola e, ao mesmo tempo, aprimorar a qualidade da educação.
Com o Chile pegando fogo por conta da crise do ensino universitário, vale uma reflexão: seriam a educação básica do país vizinho e o baixo índice de analfabetismo funcional os grandes fatores para tantas mobilizações em favor do ensino universitário gratuito? Parece que por lá existe muito mais gente apta a ingressar em uma universidade e, por isso mesmo, a lutar pelos seus direitos. Triste constatação para nós.
* Alê Youssef, 36, é sócio do Studio SP e um dos fundadores do site Overmundo. Foi coordenador de Juventude da prefeitura de SP (2001-04). Seu e-mail é ayoussef@trip.com.br