por Nathalia Zaccaro
Trip #284

A fotógrafa Luo Yang retrata com uma liberdade incomum a beleza e a força das mulheres chinesas

"Vulnerabilidade e força. Essas são as características compartilhadas por todas as garotas que fotografo.” Luo Yang, a fotógrafa chinesa de 35 anos, eleita em 2018 pela BBC como uma das cem mulheres mais influentes do mundo, define assim o projeto Girls. Desde 2008, ela registra diferentes expressões da identidade feminina e quebra, com poesia e rebeldia, os estereótipos que pairam sobre as chinesas. Sua linguagem a fez ser citada por Ai Weiwei, um dos maiores nomes da arte contemporânea do mundo, como uma estrela da fotografia da China.

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O olhar de Luo revela a beleza que é particular a cada uma de suas protagonistas, transmitindo empatia e arte. Os retratos mostram mulheres tomadas pela coragem de serem quem são. Ela busca nas lentes o que encontrou atrás delas: “Comecei a fotografar durante a minha adolescência, quando senti solidão. A fotografia foi o caminho para libertar minhas emoções. Um tempo depois, percebi que muitas garotas se sentiam como eu”, conta.

Entre as mulheres estão algumas de suas amigas, conhecidas e estranhas por quem se interessa. Antes dos cliques, a fotógrafa mergulha o máximo que pode no universo de cada uma para encontrar espaços de conexão e autoconfiança. “O nu é uma parte muito natural do ensaio, sem encenações. Elas gostam de se mostrar sem roupa, se sentem confortáveis e estou lá para registrar isso”, diz.

Liberdade Incomum

A série Girls já rodou o mundo mostrando as chinesas de um modo que raramente as vemos retratadas no Ocidente: livres, vulneráveis e reais. “Aqui existem tradições que são limitadoras para as mulheres, especialmente envolvendo casamento e filhos. Meu trabalho mostra um grupo de garotas que escolheu trilhar outro caminho, de maneira mais independente e com mais possibilidades. E, cada vez mais, vejo um número maior de mulheres assim”, diz.

As fotos de Luo refletem uma mudança de mindset dos conceitos de feminilidade e beleza na China moderna. A construção da identidade de gênero no gigante asiático foi marcada pelo explícito machismo. Entre 1979 e 2015, vigorou a política do filho único para se combater o crescimento populacional. Como as famílias preferiam que seu único filho fosse um homem, praticou-se o infanticídio feminino e, como consequência, o país enfrenta hoje um forte desequilíbrio de gênero – são 114 homens para cada cem mulheres.

 

As chinesas ainda são percebidas como produtos por uma enorme parte da sociedade. Produtos que, depois dos 25 anos, começam a perder valor caso não estejam totalmente encaixadas na posição da mãe de família. As solteiras com mais de 30 são rotuladas com o termo depreciativo shengnü, “mulheres que sobraram”, e existem diversos cursos populares que ensinam como se comportar adequadamente para conquistar um marido.

Não há verdades absolutas

Apesar disso, o desenvolvimento econômico e digital da China possibilitou o florescimento de uma nova identidade feminina, que passa pelo ingresso ao mercado de trabalho, pela liberdade sexual e pela autonomia do próprio corpo. Os pelos sob as axilas, por exemplo, que são um ponto de força no trabalho da fotógrafa chinesa, marcam uma rebeldia contra os padrões de beleza e comportamento que por séculos foram impostos aos corpos femininos, não só na China, mas em quase todo o mundo.

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Esses rompimentos transformadores estão expostos nos olhares destemidos das musas de Luo. “Não tento defender nenhuma causa com meu trabalho. Eu apresento as coisas como elas de fato são, focando nas vidas e nas emoções dessas mulheres”, explica. E é a possibilidade de olhar com honestidade para a natureza feminina que potencializa as imagens de Girls, a sensibilidade de sacar a constante transformação que percorre os corpos dessas mulheres, e de tantas outras pelo mundo, como a própria Luo. Não há verdades absolutas.

 

Créditos

Imagem principal: Luo Yang

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