A hora e a vez da perifa

por Redação

Documentário ’’A VidadoLadodeCá” mostra a ascensão cultural da periferia pela ótica de seus moradores

A manicure da periferia de São Paulo que até pouco tempo precisava pegar condução para trabalhar em Moema hoje trabalha em casa, é autônoma e consome Victoria's Secret.

O motoboy que joga futebol na várzea acompanha pela internet as tabelas dos jogos e os times que vão participar do campeonato. Os jovens em busca de emprego cadastram seus currículos em sites e fazem cursos de graduação a distância através das lan houses.

A dona do salão de beleza pondera: “Por que ir a um cinema na Av. Paulista se aqui as ONGs se articulam e projetam filmes praticamente gratuitos?.”

Essa nova realidade vivida pela chamada classe C ou nova classe média é apresentada no estudo documental lançado na internet A Vida DoLadodeCá, idealizado pela jornalista Tatiana Ivanovici, 33 anos.

Dividido em três partes;

  • "Universo Digital: a Nova Rua da periferia"
  • "Marcas: a Percepção da Periferia"
  • "Mulheres: Pulso Firme e Unhas feitas"

Mostra, por meio de entrevistas com pessoas consideradas formadoras de opinião da periferia, o papel da internet na comunidade, o entendimento de seus moradores sobre as marcas, suas mudanças de hábitos e consumos e a firmação da figura da mulher nesse novo cenário.

“Os temas são pertinentes com o momento em que vivemos hoje no nosso país: a ascensão econômica e o “empoderamento” das mulheres como chefes de família, consequentemente, aumentaram seu poder de consumo e as tornaram as grandes decisoras no momento de adquirir bens, além de esta ascensão estar ligada, também, a um maior acesso a formação educacional e ao posicionamento no mercado de trabalho”, explica Tatiana.

Moradores de bairros como Brasilândia, Capão Redondo, Freguesia do Ó, Butantã, entre outros, também dão seus depoimentos. “A Internet é a nova rua. Aquilo que você ouvia no campo de futebol, na feira ou no bailinho, agora ouve na internet”, diz o poeta Sérgio Vaz, homenageado no Trip Transformadores de 2010.

Quanto às marcas, o grafiteiro Chris comenta: “Eu vejo muita coisa ruim tentando dialogar com a Classe C, coisas que não funcionam mais. A gente não é burro. Então, a comunicação tem que ser inteligente”. Em outro trecho, a escritora Rose Dorea reflete a respeito do papel da mulher: “Eu sempre fui contra aquele ditado que diz 'atrás de todo homem existe uma grande mulher'. Não é atrás, é do lado”. 

O projeto é realizado pela Rede DoLadodeCá, plataforma de comunicação que divulga as ações de educação, cultura e entretenimento que acontecem nas comunidades e desenvolve projetos de comunicação integrada dentro da lógica do “Negócio Social”, projetado para atingir um objetivo social dentro do mercado altamente regulado de hoje.

“Nosso grande diferencial é sermos considerados pelo mercado corporativo como insiders das classes populares, mas com a visão das necessidades das marcas juntamente com 'o olhar de dentro pra fora', tanto no jornalismo quanto no marketing”, diz Tatiana, nascida na periferia. “O resultado disso, na prática, é que a ação de comunicação já vai para o campo 'validada' pela quebrada”.

Com a rede surgiu o conceito do Progresso Compartilhado, termo criado pela jornalista, que significa viabilizar o diálogo entre empresas, poder público e articulações comunitárias, com o objetivo de gerar renda e oportunidade de negócios dentro de uma lógica de capitalismo social, onde todos os envolvidos no processo sejam beneficiados - é o empoderamento intelectual e financeiro das pessoas.

“A gente vê casos de jovens adolescentes de 14, 16 anos, que conseguem gerar renda por meio de perfis compartilhados na internet onde são divulgadas as festinhas que eles organizam e conseguem obter recursos financeiros com bilheteria e venda de produtos. São pessoas que pagam seus próprios estudos e, consequentemente, dão mais valor a isso, frequentam as aulas, não ficam em bares e estão se preparando pra vida de verdade”.

Essa renda, no entanto, ainda pode ser melhor explorada pelas marcas. “Hoje a grande dificuldade do mercado de comunicação e das empresas está em como falar com o povo. Este cenário popular sempre foi negligenciado: os códigos, os signos, as referências estéticas, as tradições e a própria cultura popular. Tudo que era produzido até então tinha como foco as classes A e B, em sua maioria branca, consumidora de culturas e referências internacionais. Não havia um estudo que mostrasse como a chamada Classe C enxerga todo este momento”, opina.

“O objetivo do estudo é dar rosto aos números, porque estamos falando de seres humanos, falando com seres humanos e para seres humano; portanto, o olhar deve ser humano também, pra que seja possível realizar projetos e ações que façam a diferença na a vida das pessoas, tantos das empresas quanto das comunidades”.

Levando em conta que boa parte história foi contada pelas classes dominantes, uma vez que os menos favorecidos estavam ocupados demais ganhando a vida e o sustento, mais relevante ainda se torna o fato de as pessoas ditas “marginalizadas” poderem falar por si mesmas.

“As pessoas vão contando sua história, fortalecendo sua autoestima, sua comunidade, modificando seu dia a dia e colocando em prática projetos incríveis que transformam a vida dos moradores destes locais. Todo este cenário tem identidade, linguagem e valores próprios, e é riquíssimo. Agora, por uma questão econômica [a ascensão social], passam a ter destaque no mainstream. Hoje é 'hype' curtir um sambinha de comunidade, e isso ótimo! Muralhas invisíveis estão sendo derrubadas na nossa sociedade e há uma busca no inconsciente coletivo, cada vez mais presente, por compartilhar vivências”. De dentro para fora, mais uma vez.

Vai lá: DoLadodeCá

Veja o documentário e outros vídeos no Youtube.

fechar