Ela não precisou percorrer longos trajetos físicos para ajudar a sua filha, mas sim, transpor barreiras. Como o preconceito e a própria lei
Apesar de o Trip Transformadores tentar, anualmente, conscientizar o maior número de pessoas sobre o poder da mudança que existe em cada um de nós, é inegável que são raros aqueles que dedicam tempo e talento para o bem comum. Mais raros ainda são aqueles que fazem isso quase que sem perceber. Katiele Fischer é um exemplo. Exemplo de alguém que mudando a própria realidade – visto que sua filha, a real beneficiada por sua luta, é a extensão de seu corpo e de sua alma – e convertendo os próprios princípios, com a impulsividade que muitas vezes é necessária e nos falta para conquistarmos algo, acabou representando uma legião de pessoas com demandas semelhantes às suas.
Enquanto muitos dos homenageados deste projeto, que há nove anos figura a agenda de eventos da editora, apresentam projetos autorais, representam entidades e fazem de seu altruísmo uma ocupação profissional – sem qualquer demérito ou qualquer perda de legitimidade nisso, é importante ressaltar -, Katiele é simplesmente mãe. Mãe de uma criança que sofre da rara síndrome CDKL5, problema genético que causa epilepsia grave e sem cura. E mães nós sabemos: vão do Pari ao Pará, descalças, em um segundo, se isso mudar minimamente para melhor a vida de seus filhos. Katiele, no entanto, não precisou percorrer longos trajetos físicos para ajudar a sua filha, mas sim, transpor barreiras – próprias e alheias – que ultrapassam limites geográficos. Ela enfrentou, por exemplo, o próprio preconceito e a lei.
Isso porque um simples remédio, capaz de diminuir exponencialmente as crises epiléticas de Anny, era legalmente proibido, impossibilitando uma vida mais tranquila e digna para esta e muitas outras crianças que sofrem dessa doença degenerativa. Sim, degenerativa. A CDKL5 não tem cura. E Katiele sabe disso, desde o começo – algo que causou uma comoção generalizada em pleno evento de abertura desta edição do prêmio. Sabe também que sua filha, tal qual qualquer ser humano, merece uma vida minimamente harmoniosa enquanto nos faz companhia aqui na terra. Foi isso que a motivou a quebrar, primeiramente, a própria aversão à possibilidade de dar algo derivado de uma droga ilícita para a própria filha e a travar uma briga na justiça para o uso do canabidiol (CBD), substância derivada de maconha, no tratamento da doença.
E ela conseguiu. Foi a primeira mulher brasileira a conseguir, dentro da legislação, o uso do remédio. E mais do que isso: serviu de exemplo para que a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) liberasse o CBD sob recomendação médica. Em um mundo onde grandes heróis da ficção protagonizam filmes de tirar o fôlego, nada mais justo que uma heroína da realidade fosse personagem de uma obra cinematográfica. A história de Katiele e de Anny é contada no filme Ilegal – A vida não espera. E, fazendo uma analogia ao título do documentário: Katiele também não.