Rodrigo Pipponzi: Doar é uma forma de distribuir renda

por Redação

No Trip Transformadores, o rapper Dexter bateu um papo com o fundador da editora MOL sobre a doação como ferramenta para a promoção da igualdade e as estratégias para ampliar esse debate no Brasil

Rodrigo Pipponzi nasceu e cresceu cercado de privilégios, mas não seguiu o caminho que poderia ser esperado de alguém como ele. Aos 25 anos de idade, se aproximou do GRAACC durante um voluntariado e, desde então, vem transformando a cultura de doação no Brasil através do poder da comunicação. Homenageado pelo Trip Transformadores 20/21, o empreendedor é um dos fundadores da MOL, maior editora de impacto social do mundo que, em pouco mais de uma década, gerou mais de R$ 36 milhões para instituições em todo o Brasil. "A gente construiu um hospital para o GRAACC vendendo revista", conta ele, que luta para derrubar as barreiras da população brasileira em relação à doação. "Doar é uma forma de distribuir renda". 

No programa Prêmio Trip Transformadores, que vai ao ar todo sábado, às 22h, na TV Cultura, Pipponzi bateu um papo com o rapper Dexter sobre como a doação pode ser uma ferramenta para a promoção da igualdade e as estratégias para fazer o debate sobre filantropia decolar no Brasil. Assista a alguns trechos ou leia a entrevista a seguir.

LEIA TAMBÉM: Conheça os homenageados do prêmio Trip Transformadores 20/21

play

Dexter. Você veio de uma família que tem uma grana através de muito trabalho. Mas percebi na sua história que você teve uma outra perspectiva, se interessou em atravessar a ponte para estar com a gente, conhecer os nossos problemas e criou a Editora MOL. Fala um pouco disso pra gente.

Rodrigo Pipponzi. Como você falou, eu venho de um lugar privilegiado, reconheci isso desde cedo e aquilo, de alguma forma, sempre me causou estranheza. Cresci numa família que já olhava as coisas de uma maneira diferente, já olhava para a sociedade. Meu pai falava que queria devolver para o Brasil o que o Brasil deu a ele. Muito cedo, tive um chamado de falar: "Porra, acho que dá pra ter um caminho diferente desse tradicional". E isso veio muito a calhar quando eu terminei a faculdade. Fiz administração de empresas na Fundação Getulio Vargas (FGV), que é uma das melhores faculdades do país, e é aquela coisa de você terminar e ter um trainee, emprego no banco, uma consultoria… Mas quando eu terminei, aquilo não fazia sentido para mim. Nem trilhar o caminho tradicional e nem ir para empresa da família. Abri um estúdio de design com dois amigos, o Chico e o Galileu, e muito rapidamente mergulhei nesse mercado de comunicação. Fiz jornalismo logo que eu acabei a FGV e fui me deixando levar. Conheci uma sócia maravilhosa na minha vida, a Roberta, e a gente se enxergou para se juntar e fazer coisas legais juntos. Tudo começou daí.

Que bom que você conseguiu atravessar essa ponte, conhece as dificuldades do lado de cá. Você falou que a sua família te inseriu, de uma certa forma, mas qual foi o lance? Foi a sua família te falando isso ou você procurou conhecer, foi atrás? Eu tive um clique muito importante na minha vida. Um impulso que eu falo que mudou muito a minha relação com a desigualdade e com o mundo, de uma forma geral. Eu tinha uma empresa de comunicação e a gente em um momento conheceu mais intimamente o GRAACC (Grupo de Apoio ao Adolescente e à Criança com Câncer), que é uma organização sem fins lucrativos, hospital para tratar câncer infantojuvenil de pessoas vulneráveis, que normalmente são tratadas pelo SUS – e que as famílias vão parar lá para acolher, tratar casos mais complexos de uma doença que é devastadora. E a gente começou a fazer um trabalho voluntário em 2005. Eu tinha 25 anos de idade e aquilo foi me tocando. A gente ia no hospital, eu olhava aquilo e falava: "Como é que a gente fecha os olhos para famílias que vivem uma dor dessa?". Porque no GRAACC você tem uma taxa alta de cura, de 70%, mas 30% das crianças não sobrevivem, essa perda é muito dolorosa e esse hospital tem que captar recursos.

“Se a gente quer promover igualdade, doar é uma forma de distribuir renda, é mais uma ferramenta”
Rodrigo Pipponzi, empreendedor social e cofundador da Editora MOL

Para mim, não adiantava só fazer um trabalho voluntário, eu precisava olhar além. E aí começamos a desenhar formas de ajudar usando nossa ferramenta, que é a comunicação. O que eu sabia fazer? Revistas, livros e conteúdo. Então me veio uma ideia que era muito simples: fazer uma revista refletindo o que a vida tem de bom, a felicidade – que é muito a lição que a gente aprende no GRAACC – e definir que todo o lucro dessa revista fosse revertido para eles. Percebi também que essa revista nunca funcionaria em banca de jornal, porque era um sistema muito tradicional, pouco eficiente, e que absolutamente não permitia que a gente conseguisse gerar lucro para doar. Daí eu falei: "Pô, vamos conectar na empresa da família [a rede Droga Raia, hoje associada à Drogasil]. Estamos lá com 130 farmácias, vamos vender no caixa, porque temos os pontos pelo Brasil inteiro". Troquei uma ideia, obviamente, com a família, com a empresa. A minha prima era diretora de marketing, meu pai era presidente da empresa. Falei: "Vamos desenhar de tal forma que a gente possa usar essas farmácias para oferecer a revista no caixa, a empresa não precisa pagar, ela não vai nem ter lucro, ela não vai investir, ela vai ficar no zero a zero, ela vai ser um co-realizadora e vamos ver no o que dá". Fui atrás de dois laboratórios que bancaram um ano de projeto, acreditaram muito no discurso daqueles dois jovens ali, de que a gente realmente ia conseguir gerar um volume significativo de recursos para o GRAACC, e foi sensacional. Quando lançamos a primeira edição, em março de 2008, a gente vendeu 120 mil revistas em três semanas e doou 267 mil reais para o GRAACC.

play

LEIA TAMBÉM: "Sempre quis fazer revolução", diz Celso Athayde no Trip Transformadores

É uma ideia revolucionária ao extremo. Como a sua família recebeu isso? Foi curioso. Na hora que a gente viu o número, falou: "Porra, 267 mil reais, vamos fazer outra!". A gente tinha um ano de projeto já fechado, e aí, ao final desse primeiro ano, tínhamos doado 1,6 milhão de reais para o GRAACC, contribuindo imensamente para o desafio dos caras de captação, sem que a empresa botasse a mão no bolso e, na verdade, criando uma comunidade de doadores porque, no final, cada pessoa que compra a revista a Sorria está contribuindo, mas também levando conteúdo e tendo alguma conexão com a causa. Alguns leitores também se tornavam doadores diretos do GRAACC. Depois de cinco, seis anos de projeto, foi inaugurado um hospital com esse dinheiro – um dos momentos mais emocionantes da minha vida pessoal e profissional. A gente construiu um hospital super moderno vendendo revista, basicamente foi isso – e a capacidade do GRAACC aumentou em 30%, a radioterapia é a mais moderna da América Latina, e foi levantada de revista em revista, de micro doação em micro doação.

Hoje as pessoas estão mais informadas e valorizam os produtos que estão ligados a uma causa, que tenham uma cadeia de produção sustentável, cuidado com a mão de obra, respeito ao meio ambiente. Te preocupa que essas empresas possam usar esses discursos para atrair os consumidores sem realmente se preocupar com o impacto social dos seus negócios? Isso sempre é uma preocupação. Acho que a gente se colocou num lugar muito valioso, que é de você conseguir construir produtos com propósito. O que eu percebo trabalhando com isso há muito tempo é que fica mais fácil distinguir o que é verdade do que é discurso. Talvez não num primeiro momento, mas hoje, no mundo que a gente vive, nessa loucura de comunicação, de rede social, que as coisas, elas voam, elas tem uma velocidade absurda...

Tudo muito rápido e tudo muito rapidamente sacado, vamos dizer assim. Exatamente. A mentira aparece muito rápido e você tem uma geração nova que é outro chip, já vem diferente, olhando para um propósito de uma maneira diferente. Então, ao mesmo tempo em que me preocupa, há elementos para que a gente consiga identificar, de fato, a verdade nas estratégias empresariais – e não só discurso. Hoje a inquisição é muito grande nesse aspecto, você tem aí milhões de consumidores que estão olhando qualquer deslize para cancelar aquela marca e, a partir daí, o teu trabalho para reconquistar aquilo, se reconquistar.

LEIA TAMBÉM: "Por que não conseguimos olhar para o futuro?", questiona Ailton Krenak

A gente está vivendo exatamente nessa era, né? As pessoas que fazem isso com essa segunda intenção ou que na verdade, é a primeira intenção, mas colocam ali como pano de fundo outras coisas, precisam tomar muito cuidado. Tem uma palavra para mim que é fundamental nesse aspecto, que é ‘transparência’. A gente fala em transparência radical, na verdade. Eu tenho que ser absolutamente objetivo e didático para dizer: "Você pagou tanto e tanto, que está indo para essa organização, que faz isso, está aqui como ela usou o recurso". Não dá mais para ser diferente disso, porque se eu deixar qualquer dúvida, você vai ficar com uma pulga atrás da orelha, vai falar: "Opa, será que isso aqui doa mesmo?". Um dos maiores entraves para a cultura de doação no Brasil é a desconfiança.

Exatamente, se você não sabe para onde vai, aí... Você não doa.

Como fazer para que a doação se torne constante e não seja simplesmente algo que acontece quando essa desgraça da pandemia, por exemplo, bate na porta da gente? Essa pergunta é a minha missão, é a missão de quem está trabalhando comigo, de quem está dentro dos meus negócios. Acho que a virada de chave é quando a gente começa olhar para uma cultura de doação – e o interessante é a palavra cultura, inserir isso para dentro da nossa cultura, é a gente olhar para a doação como se dá um ato cidadão. A doação tem que fazer parte da nossa vida como um ato de cidadania e não como um ato paliativo, um ato que você só vai usufruir numa emergência. E essa virada é complexa especialmente para um país como o nosso, com uma das maiores desigualdades no mundo, e onde você tem questões religiosas e outra série de questões que colocam a doação dentro de um universo de culpa, de "eu tenho vergonha de falar que eu doo porque vai parecer que eu tenho muito".

“Temos que mudar a lógica de doar a roupa rasgada, brinquedo quebrado... Você pode comprar um brinquedo novo, você pode doar o que é bom”
Rodrigo Pipponzi, empreendedor social e cofundador da Editora MOL

Então, temos que atravessar barreiras muito grandes ainda. Mas o segredo está nisso, à medida que a gente consiga olhar para a doação num ato cidadão, colocar a doação no assunto da mesa de jantar das famílias, dentro das escolas, na educação dos nossos filhos, e fazer essa geração crescer entendendo que doação não é um favor. É também mudar um pouco aquela lógica de doar a roupa rasgada, o brinquedo quebrado… Não, cara, você doa um brinquedo novo, você pode comprar um brinquedo para uma criança que não tem, você pode doar o que é bom, você pode criar uma cultura dentro da sua família de doar todo mês, porque acabou a era do acúmulo, chega de acumular, vamos compartilhar. Se a gente quer promover igualdade, doar é uma forma de distribuir renda, é mais uma ferramenta que a gente tem. É um caminho longo, temos que educar a população para isso.

Exatamente. Estive lendo algumas coisas e sempre foi uma percepção minha que os pobres são os que mais doam. Por que será? É o sentimento de igualdade? Eu acho, cara. Cai muito na questão da empatia. Na hora que você vê...

O outro é o meu também, né, mano? É o meu também.

Como fazer para que os ricos doem mais? A última pesquisa mais ampla sobre o tema da cultura de doação no Brasil trouxe exatamente isso, que a população mais pobre doa mais do que a população mais rica no Brasil – o que não deveria acontecer. A população mais rica vive muito mais dentro das suas bolhas, dos seus clubes, tem um cultura muito forte ainda no Brasil de "eu não me misturo com esse problema, esse problema não é meu, o Estado vai resolver, alguém vai resolver, não sou eu". A gente tem que buscar soluções sustentáveis e responsabilidade. Tem que fazer a população rica entender a ferramenta que tem, o privilégio que tem. A minha trajetória me permitiu isso, mas tem muita gente bacana que não sabe como fazer. Um caminho é educar. Outro caminho é conhecer, entender o problema. A gente tem que cada vez mais trazer para perto da população mais rica os problemas – e não estou só falando de grandes causas, como educação, saúde, mas das pequenas causas. Cada vez mais, vejo empreendedores, organizações e institutos muito preparados para lidar com esse discurso, se aproximar das famílias, educar, entregar informação, conectar as periferias com os centros ricos. Esse assunto tem que ir para todo lugar, não tem que ser um assunto restrito a eventos de 100 pessoas, as bolhas, como a gente fala. Esse assunto tem que decolar.

fechar