Obrigado, Luiz Alberto Mendes (1952-2020)

por Douglas Vieira

Nosso colunista há 19 anos, desde quando estava preso, Luiz morreu aos 67 anos, em São Paulo. Em nossa despedida, celebramos sua vida

Luiz Alberto Mendes, nosso colunista há 19 anos, atravessou muitas batalhas em seus 67 anos, transformando cada uma delas em um momento de vitória ou de aprendizado. Sua vida errática, história repetida da desigualdade cruel em que vivemos, o levou a passar mais de três décadas na cadeia, onde entendeu que o crime ficaria no passado. Não fosse assim, poderia cair, sucumbir, morrer, não é raro que isso aconteça lá dentro. Se alfabetizou, leu, aprendeu a escrever (no sentido literário do termo), foi o primeiro preso a cursar uma universidade no estado de São Paulo, em 1982.

LEIA TAMBÉM: Todas as colunas de Luiz Alberto Mendes

Mesmo encarcerado, ele se tornou um cronista, escreveu contos e publicou ainda de lá sua primeira obra, “Memórias de um sobrevivente" (2001), pela Companhia das Letras. Foi depois de ler este livro que nosso editor, Paulo Lima, tomou a iniciativa de agendar uma visita à Casa de Detenção de São Paulo, o extinto Carandiru, para conhecê-lo. De um primeiro encontro desconfiado, veio o convite para assinar uma coluna mensal, marcando o início de sua história com a Trip, uma vivência que se tornou, para além do compromisso, uma amizade.

Em nossas páginas, Luiz dividiu com o mundo suas vivências e aprendizados, em grande parte trazidos de dentro dos muros, desde memórias de quando chegou, embrutecido, até episódios de ternura, como no momento em que, no meio da epidemia de aids na cadeia, foi voluntário no tratamento de doentes, episódio lembrado em seu último texto em nosso site, um relato otimista sobre como podemos encarar o coronavírus. 

Luiz também esteve em nossas páginas em diferentes episódios, como a visita que fez ao Restaurante Fasano, nos Jardins, centro da burguesia paulistana, em uma edição em que o tema era alimentação, em 2006; em 2009, em um encontro com Rodrigo Pimentel, o ex-capitão do Bope que inspirou o Capitão Nascimento.

Aqui fora desde 2004, encarou em 2017 um transplante de fígado cheio de complicações e poderia, de novo, ter sucumbido. Mas seguiu, encarando com firmeza mais um obstáculo.

Em sua coluna ou emprestando seu olhar a nossas reportagens, falava muito sobre pessoas, dele próprio e das outras, e das relações e da forma como ele aprendeu a ler o mundo e se colocou em um lugar de usar sua história como um modo de ajudar a sociedade, em aulas, palestras e em projetos que desenvolveu voltados para outros ex-presidiários. Assim, recebeu em 2016 um prêmio Trip Transformadores, quando contou em um vídeo sua trajetória até se tornar "uma pessoa que gosta de gente".

No dia 1 de abril, ele sofreu um aneurisma cerebral e foi levado às pressas ao hospital. Ontem, dia 8, a batalha infelizmente o venceu, mas, como escritor que é, suas palavras estão eternizadas. A Trip está mergulhada em uma tristeza profunda com essa despedida e gostaríamos de celebrar a vida dele, que tanto compartilhou com a gente. Estamos sempre com você, Luiz.

Homenagem no Trip FM

Após seu falecimento, Mendes recebeu uma homenagem do Trip FM. Ele, que começou a escrever sua coluna para a Trip de dentro do sistema prisional, deu voz a um lado da sociedade que é completamente ignorado. "Trata-se de observar que não tem dado certo essa ideia de tratar os presos como animais", falou Paulo Lima na abertura do podcast.

Um dos convidados é Fernando Bonassi, roteirista de cinema, que esteve à frente do filme Carandiru, e ajudou Mendes a publicar seu primeiro livro. O rapper Dexter e outros grandes admiradores do escritor também participaram do programa. Confira:

Créditos

Imagem principal: Gabo Morales / Trëma / TRIP Editora

fechar