"Tão bonita, pena que é cadeirante"

por Natalia Alves

Como a internet tem ajudado mulheres com deficiência a se sentirem mais bonitas

Maria Paula Vieira, 26 anos, aparece, em seu Instagram, em cliques etéreos com o cabelo ruivo solto, flores pelo corpo e o onipresente batom vermelho. A cadeira de rodas é apenas um detalhe nas fotos. Confiante, a fotógrafa fala de suas vivências na rede social como uma mulher cadeirante, mas nem sempre foi assim. “Sofri bullying na escola por ter atrofia nas pernas. Então, me sentia muito diferente das outras meninas. Foi um processo longo para eu conhecer meu próprio corpo e aprender a me amar. Um trabalho de formiguinha”, fala. 

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De acordo com o Censo 2010, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), quase 46 milhões de brasileiros, cerca de 24% da população, declarou ter alguma deficiência física ou intelectual – pessoas que não conseguem se locomover representam 2,3% dos brasileiros. É uma quantidade razoável de pessoas, mas, segundo muitas mulheres cadeirantes, elas se sentem invisíveis.

A internet, no entanto, está mudando um pouco o jogo. Tabata Contri, por exemplo,  se tornou cadeirante aos 20 anos, após um acidente de carro. Antes disso, ela mal tinha tido contato com pessoas com deficiência. “Estudava em uma escola que tinha uma sala para essas pessoas, mas ela ficavam escondidas. Nunca brinquei com uma quando criança, nunca convivi”. Por isso, Tabata, atualmente consultora da agência Talento Incluir, em que trabalha para encontrar empregos para pessoas com deficiência, percebe a importância da internet para a construção da autoestima de mulheres como ela. “Começamos a conversar, trocar vivências e a falar de nossas vidas. Imagina a importância disso para uma menina que cresceu sem ver outras meninas como ela?”. 

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É por isso que Maria Paula faz questão de mostrar o seu corpo em suas redes sociais. “Falei em um dos posts sobre o 'corpo de verão'. Já vimos muito sobre a mulher gorda na praia, mas a cadeirante também tem suas questões. Eu já deixei de usar uma saia porque tinha vergonha das minhas pernas. Passei calor por isso”, fala a fotógrafa. “É importante que outras pessoas vejam corpos diferentes do padrão para que elas se sintam à vontade para mostrar as pernas também.”

Reclusão, superproteção e opressão

Essa falta de acesso “ao mundo lá fora”, onde há vários tipo de pessoas, é, segundo Tabata, um dos principais fatores de exclusão de cadeirantes. “Muitas vezes as famílias, na melhor das intenções, super protege essas pessoas, não as deixam sair. Elas são infantilizadas”, afirma. Isso tem um impacto profundo na construção de autoimagem das mulheres com deficiência. 

A contadora Ivone de Oliveira, 51, de São Paulo (SP) tem uma autoestima muito boa, obrigada. Ela é conhecida no Instagram como Gata de Rodas, onde tem 4 mil seguidores. Naquele espaço, fala sobre seu dia a dia, idas ao bloco de Carnaval e sexualidade. Embora seja confiante, a influenciadora diz que ser infantilizada a deixa para baixo. “Mexe comigo quando me tratam como criança, não perguntam diretamente para mim as coisas, subestimam a minha inteligência”, conta. Esse tipo de postura acaba deixando marcas duradouras no psicológico de uma pessoa com deficiência. “Trava o desenvolvimento pessoal e profissional, nos colocando sem autonomia, poder decisão e rédeas de nossas próprias vidas.”

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Ao mostrar que curte a balada, curte na rua e tem autonomia para viver a vida com plenitude, Ivone ajuda outras mulheres deficientes a deixar a superproteção da família. O cuidado excessivo é visto, pela influenciadora, como uma forma de opressão. “Precisamos sair de casa e impor a nossa presença, arrancar pela raiz a discriminação. Isso não acontece de forma natural na vida das mulheres com deficiência como acontece com as nossas iguais sem deficiência.”

“Cadeirante não tem prazer”

Segundo Tabata, é muito comum mulheres cadeirantes nunca terem ido a um ginecologista. A razão seriam a falta de acessibilidade e, mais uma vez, a superproteção. “Muitas delas escondem da família que têm uma vida sexual ativa.” Isso porque essas mulheres são vistas como assexuadas, tanto pelos familiares como pela classe médica. “Uma vez, uma amiga cadeirante estava grávida e foi ao médico com o marido. O médico perguntou pro companheiro dela: ‘Você fez isso com ela?’. Como se não fosse natural ela engravidar.”

Lésbica e adepta do BDSM, em que é dominadora, Ivone diz que ainda ouve comentários sobre sua sexualidade. “Alguns desavisados me perguntam se eu gosto de sexo”, diz. Maria Paula complementa que a desinformação é o que leva mulheres cadeirantes sofrerem preconceito na hora da paquera. “Precisamos mostrar que nós namoramos, fazemos sexo, sentimos prazer. As pessoas tendem a ver a deficiência como algo negativo, mas é apenas uma característica nossa. Eu e minhas amigas já ouvimos muitas vezes: ‘Você é tão bonita, pena que é cadeirante’. Isso mexe demais com a gente”, diz a fotógrafa, que procura fazer fotos de si mesma e de outras pessoas para mostrar que estar em uma cadeira de rodas não é o fim do mundo. “Não é algo que me impede de ser linda. O que a minha deficiência tem a ver com a minha beleza?.”

Créditos

Imagem principal: @emanoelbragafotografia / arquivo pessoal

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