Como é estar grávida no Congresso Nacional?

por Áurea Carolina

A deputada federal Áurea Carolina, do PSOL, divide os desafios de passar uma gestação na Câmara e reforça a importância de mais mulheres na política

A rotina de um parlamentar tem grandes chances de ser caótica. Além das plenárias e obrigações burocráticas, esse dia a dia pode ser ainda mais estressante se o parlamentar em questão for uma mulher, que precisa enfrentar preconceitos de uma maioria masculina. Adicione ainda mais desafios se essa mulher estiver grávida.

É o caso da deputada federal Áurea Carolina (PSOL - MG), grávida de 34 semanas e uma das integrantes da Gabinetona, mandato coletivo e popular na Câmara dos Deputados. No ano passado, Áurea foi uma das parlamentares que dividiu com a Tpm sobre a rotina de ser mulher no Congresso Nacional. Agora, ela fala sobre essa perspectiva ainda mais desafiadora de estar grávida neste ambiente. 

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Abaixo, ela compartilha um pouco da nova rotina, a importância da sororidade no ambiente de trabalho e o impacto que um número cada vez maior de parlamentares mulheres pode ter na vida de todas as brasileiras.

"Essa experiência da gravidez logo na chegada, na Câmara, no meu primeiro ano de mandato – deputada de primeira viagem! – foi uma oportunidade de reorganizar minha vida, meus horários, de poder equilibrar. O meu cotidiano de cuidados, que passou a ser uma necessidade prioritária, e o cotidiano de trabalho na Câmara, que é muito intenso. Na Gabinetona, nosso mandato coletivo, nós sempre tivemos um investimento muito grande no trabalho, uma dedicação muito intensa. Por isso, precisamos conciliar, no planejamento de equipe, qual seria a nossa prioridade em comissões, em plenário, nas matérias temáticas.

Foram meses de rever o que a gente tinha de demanda e como a gente poderia atender, sabendo que é um trabalho coletivo. E eu, como parlamentar, sou uma força dentro dessa equipe, de um mandato aberto e popular, mas não sou a única que conduzo. Isso é muito importante, em uma perspectiva feminista que nós defendemos, que a possibilidade de uma gestação seja acolhida por quem está junto, ao redor. Claro que é um projeto pessoal, mas a gravidez requer uma presença coletiva de suporte.

Não foi uma rotina que me consumiu exageradamente, não, porque nós tivemos esses cuidados todos e, no final, eu consegui desacelerar. Em vez de ficar horas e horas a fio na Câmara – de manhã, de tarde e à noite, como fazíamos habitualmente antes da minha gravidez –, passamos a ter horários mais regulares. Então, em algumas manhãs eu não ia, para cuidar do pré-natal e de outras coisas da gravidez, por exemplo. É importante enfatizar isso com tranquilidade, porque muitas mulheres são cobradas e se sentem culpadas por não conseguirem manter o mesmo ritmo insano de trabalho e ter que cuidar de uma gravidez que exige muitas mudanças – preparação física, formação, acompanhamento especializado.

Foi também uma experiência muito legal de conversar com outras mulheres deputadas que, sendo ou não mães, também têm muito a dizer sobre isso. E com mulheres deputadas que engravidaram durante seus mandatos, como a Clarissa Garotinho (PROS - RJ), a Jandira Feghali (PCdoB), que são referências. a Clarissa, inclusive, apresentou uma proposta de emenda à Constituição (PEC) para estender a licença-maternidade para 180 dias [atualmente, o prazo é de 120 dias], válida para todas as mulheres, incluindo as parlamentares, o que seria um grande avanço. É um período vital para que a amamentação aconteça da melhor forma, tanto que foi chamada de PEC da Amamentação. O ideal é seja de seis meses esse período de disponibilidade da mãe para amamentar, é importante que a família e a comunidade também defendam isso como um direito.

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Hoje, nós, deputadas, temos direito a 120 dias de licença, enquanto as servidoras da Câmara têm direito à 180 dias. Existem discrepâncias, problemas de falta de isonomia no tratamento e a maioria das mulheres não acessam sequer esse direito, as trabalhadoras em geral, com a precarização e a informalidade, elas vivem a maternidade de forma muito sofrida, com uma carga muito pesada, porque não têm esse direito tão básico assegurado. 

Essa é nossa luta: para que todas as mulheres possam usufruir desse direito, porque é um ganho para toda a sociedade. É um investimento que a gente faz que tem retornos no desenvolvimento da criança e para sua vida inteira.

A gente vive em uma sociedade patriarcal, muito centrada na cultura dos homens, e isso está presente na Câmara, evidentemente. Mas, com o aumento da presença de mulheres, independentemente de sua posição político-partidária, existe uma sensibilidade um pouco maior para a defesa e proteção dos direitos das mulheres, pelo menos nessas questões mais elementares."

Créditos

Imagem principal: Pedro Ladeira/Folhapress

(em depoimento a Alexandre Makhlouf)

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