por Heitor Flumian

Projeto incentiva jovens mulheres a assumirem cargos de liderança e inova ao exigir que pessoas com posições políticas opostas convivam sob o mesmo teto

No lobby de um imponente prédio do centro de Washington DC, um grupo de oito jovens mulheres troca abraços efusivos em tom de despedida. Elas têm entre 22 e 30 anos e passaram os últimos cinco meses dividindo o mesmo apartamento na capital americana. Uma experiência corriqueira não fosse um detalhe: quatro delas são democratas e quatro republicanas. 

O convívio entre pessoas com posições políticas opostas é um dos requisitos da bolsa de estudos Congressional Fellowship, que oferece às meninas a oportunidade de estagiar no Capitólio por seis meses e, uma vez por semana, promove encontros entre elas e lideranças femininas de diversas áreas: de CEOs de grandes empresas a agentes da CIA e FBI.

Quem está por trás da iniciativa é a Running Start, organização sem fins lucrativos que incentiva e prepara mulheres para ocuparem cargos públicos e posições de liderança. Criado em 2007, o projeto promove mais de 100 programas de treinamento em todo o país e já impactou mais de 15 mil garotas. “Existem outras iniciativas semelhantes, mas o que faz da nossa única é o fato de ser totalmente apartidária e acolher tanto perfis liberais quanto conservadores”, diz Susannah Wellford, 51 anos, idealizadora do projeto.

Além da bolsa de estudos, três tipos de curso são oferecidos, em sua maioria gratuitos. O High School recebe estudantes do ensino médio (a partir de 14 anos) para práticas de oratória, discurso em público e networking. A programação inclui também visita ao Capitólio e à Casa Branca, encontros com membros do Congresso e, ao final, a oportunidade de colocar em prática o que aprenderam participando da simulação de uma campanha política. O Elect Her, por sua vez, foca nas universitárias e promove um dia de treinamento para incentivá-las a concorrer ao Diretório Acadêmico das instituições. Já o Mentorship disponibiliza orientação política online ministrada por especialistas e também ajuda a conectar alunas e ex-alunas do Running Start.

“Ensinamos as meninas a se defenderem sozinhas, a gerenciarem suas próprias vidas e a atuarem com confiança”, conta Susannah. “Todas as destrezas e habilidades aprendidas são completamente transferíveis para qualquer tipo de liderança que busquem na vida, mas confesso que gostaria que no futuro considerassem aplicá-las na política”.

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É esse o caminho que a republicana Savannah Lane, 24 anos, uma das jovens emocionadas do lobby, deseja seguir. “Foi extremamente inspirador poder aprender com mulheres que romperam estereótipos e hoje são bem-sucedidas em campos majoritariamente masculinos” conta ela, que adorou a experiência de conviver com as outras meninas. Você aprende a enxergar a pessoa além do partido, humanizá-la de fato, e a se abrir para diálogos honestos sobre assuntos desafiadores e controversos com os quais pode aprender algo", diz.

Orgulhosa, Susannah faz coro e vai além: “É essencial que os nossos programas sejam totalmente apartidários porque um dos principais motivos do nosso governo atual ser disfuncional é que democratas e republicanos disputam entre eles e acham que não podem trabalhar uns com os outros porque o outro é sempre o inimigo”, diz. “Estamos tentando fazer com que os líderes de amanhã entendam a importância de trabalhar em equipe para resolver problemas. Esse é o futuro”.

 

É A MINHA CARA

A ideia de criar o projeto surgiu quando Susannah, então uma advogada de 30 anos com experiência tanto no mundo corporativo, quanto na política (ela trabalhou em um programa de saúde coordenado por Hillary Clinton no governo Bill Clinton e foi assistente parlamentar de um senador conhecido pela defesa dos direitos humanos e questões ambientais) se deu conta de que quase não havia mulheres em cargos políticos e de chefia. Para piorar, ela tinha no currículo mais de um caso em que havia sido vítima de sexismo no ambiente de trabalho depois de ser mãe.

“Na primeira vez, estava conversando com um homem que ia me contratar e ele quis saber se eu estava planejando ter filhos, pois tinha acabado de me casar. Me lembro o quanto foi desconfortável ter de mentir e dizer ‘ah, não sei se vou ter’, só para ser aceita”, lembra. “Na segunda, fui demitida quando meus gêmeos nasceram. Meus colegas homens disseram ‘assim vai ser melhor, teus filhos precisam de você em casa e não em um escritório de advogados’. É um absurdo que mulheres continuem passando por situações semelhantes”, protesta.

Em seu escritório atual os homens não têm vez. Para entender, basta uma rápida passada de olhos pela sala onde acontece esse papo, decorada com fotos de ex-alunas do Running Start que se tornaram bem-sucedidas em suas carreiras e citações de grandes mulheres como Oprah Winfrey e Michelle Obama, grafadas nas paredes. Margaret Thatcher também é lembrada com a clássica “Na política, se você quer que digam algo, peça a um homem. Se você quer que façam algo, peça a uma mulher”.

 

“Quando estão no poder, a maioria dos homens tende a se preocupar mais com ambições pessoais do que  priorizar assuntos que beneficiam a comunidade”, reflete Susannah. “Engajar as mulheres na política é uma forma de criar leis para enfrentar problemas que vivenciamos no dia a dia e que não entrariam em pauta se não fosse por nós”, diz.

Como parte da caminhada até lá, a seu ver é fundamental, que as jovens tenham outras mulheres em quem se espelhar. Pensando nisso, a iniciativa lançou no final de 2016 a campanha #ILookLikeAPolitician (eu pareço político), em que estudantes, colaboradoras e mulheres do congresso são convidadas a tirar uma foto segurando o cartaz com o nome do movimento e espalharem a mensagem de que não é preciso ser homem, velho e branco para se candidatar ou ser um líder: podem ser elas mesmas, exatamente como são.

Coincidências à parte, as eleições de 2018 levaram ao congresso americano o maior número de mulheres da história: 127, contra 84 do mandato anterior, de um total de 535 cadeiras, incluindo as primeiras mulheres muçulmanas e as primeiras indígenas a ocuparem esse cargo. “A razão de haver tanta mulher se candidatando e vencendo é uma reação à terrível política que temos visto desde que Trump foi eleito em 2016”, analisa Susannah. “As mulheres estão bravas com muitas coisas, mas, também, por não verem seus interesses representados. Agora, estão percebendo não há outra opção que não seja fazer política por elas mesmas”, diz. E aposta: “Em 2020, estaremos na Casa Branca.”

 

Créditos

Imagem principal: Jorge Lepesteur/Acervo Trip

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