Jacqueline Sato: uma atriz muito além da "japa"

por Carol Ito

Em entrevista à Tpm, a atriz fala sobre a falta de representatividade asiática na mídia brasileira: ”Não dá mais pra não fazer nada”

“Ver poucas pessoas como eu na TV e no cinema tornou o primeiro passo para ser atriz mais difícil”, conta Jacqueline Sato, 31, descendente de japoneses, europeus e indígenas. A falta de representatividade que marcou sua formação hoje serve como combustível para que ela siga nas artes cênicas, defendendo produções mais diversas e discutindo sobre os estereótipos e preconceitos que afetam os asiático-brasileiros. “Acho ótimo que isso esteja sendo muito mais debatido do que na minha infância e adolescência. Quero fazer parte de uma mídia que represente, de fato, a miscigenação do nosso país”, afirma a atriz.

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Neta de avô japonês, ela cresceu com os pais e os três irmãos mais novos em Guarulhos (SP). Apaixonada pelas artes cênicas desde a infância, frequentou cursos de atuação, incluindo o do grupo Tapa, até entrar para a graduação em rádio e TV. Ao longo da carreira, atuou em novelas e séries do SBT e Record. Em 2013, estreou na Globo na novela Além do horizonte e, depois, participou do núcleo principal de Sol Nascente, que gerou polêmica ao escalar o ator Luís Melo, que não possui ascendência asiática, para viver um imigrante japonês. Em 2018, fez sua primeira protagonista na série (Des)encontros, do canal Sony. Neste ano, estará nos cinemas no longa 10 Horas para o Natal e, em 2021, na série Os Ausentes, da TNT.

Entre um set de filmagem e outro, ela faz trabalhos como dubladora de animes e está à frente da associação de proteção animal House of Cats, que resgata gatos abandonados. A atriz mantém sua base em São Paulo, onde mora com o noivo, o cineasta e produtor Rodrigo Bernardo. Em entrevista à Tpm, ela reflete sobre a falta de representatividade asiática na mídia: “A discussão está a todo o vapor, não dá mais pra não fazer nada”.

Tpm. Quais são suas referências como atriz?
Jacqueline Sato. Amo teatro e, aqui em São Paulo, minha maior referência é o Grupo Tapa, onde estudei por quatro anos. Acho o trabalho deles admirável, as montagens de textos clássicos são muito importantes. Minhas atrizes referência são Fernanda Montenegro e Meryl Streep. Como descendente de asiáticos, me inspiro muito no trabalho da Sandra Oh [canadense, conhecida  pela série Grey's Anatomy] e, mais recentemente, no de Awkwafina [americana, premiada com o Globo de Ouro neste ano]. Elas vêm conseguindo quebrar o ciclo de papéis clichês e estereotipados para asiáticas.

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Quais os desafios de ser atriz com ascendência asiática? Percebo que a gente recebe menos testes e já vi casos de atores asiáticos que ganhavam menos do que seus parceiros de cena, mesmo tendo a mesma importância e relevância dentro da obra e em termos de carreira artística. É o caso do ator Daniel Dae Kim, que decidiu não renovar seu contrato para a oitava temporada da série Havaí 5.0, da CBS.

É comum que os descendentes de japoneses no Brasil sejam associados a uma “minoria modelo”, a estereótipos de que são esforçados e inteligentes. Você já foi elogiada por sua ascendência? Sim. Já passei por uma situação em que a pessoa acreditava que estava me elogiando mas quem tem um pouco mais de sensibilidade e empatia notaria que era uma ofensa à minha ascendência. Ela disse: “Você é mestiça, né? Para ser bonita assim, tinha que ser. Porque é raro ver uma japonesa, japoneeesa, bonita”. Achei um absurdo tão grande... Questiono se quem disse isso acha as mestiças mais bonitas porque são mais ocidentalizadas. E quando te elogiam te chamando de gueixa? Nitidamente, a pessoa não sabe nada sobre o que é ser uma delas. Saindo do âmbito da aparência, quando você executa bem alguma coisa, atrelam isso ao fato de você ser "japa", como se isso fosse mais fácil por causa da genética, não pelo esforço, determinação e persistência.

Em 2016, você esteve no núcleo principal da novela Sol Nascente, da Globo, que trouxe a polêmica do yellowface, prática de “fantasiar” uma pessoa branca como se ela fosse amarela. Como foi lidar com isso naquela época? Foi bem delicado. Se por um lado foi um das poucas vezes que se tinha espaço para um núcleo com descendentes de japoneses com relevância na trama, por outro, a escolha de um ator não descendente para um papel em que isso seria imprescindível foi complicada. Isso acendeu a luz sobre a questão, parte do público manifestou sua insatisfação, discussões foram criadas. Como atriz, trabalhei da melhor forma que pude para mostrar que existem bons artistas com ascendência asiática, sim. 

Como você escolhe seus papéis? Mesmo que o pré-requisito para um teste seja ter ascendência asiática, vejo se o papel é interessante e não reforça o preconceito. Já assisti a muitas histórias com personagens nipônicos com os quais eu não me identificava, por serem figuras distantes da realidade ou por reforçarem um discurso preconceituoso. Em vez de provocar identificação, afastam. Houve um tempo em que a consciência sobre a gravidade disso esteve adormecida. Mas hoje a discussão está a todo o vapor, não dá mais pra não fazer nada. 

Como foi trabalhar como modelo? Eu era muito incentivada a ingressar neste mundo por ter 1,73m de altura. Ainda assim, a exigência da magreza extrema sempre me pareceu absurda e prejudicial. Lembro quando um scouter [ou olheiro] veio falar comigo quando eu estava com dez quilos a menos do que tenho hoje. Para ele, meu corpo estava ficando “bom” e, se eu perdesse mais uns três quilinhos, ia ficar ótima pra trabalhar. Eu já estava me achando muito magra e, ao escutar aquilo, entendi que não era pra mim. Até porque minha paixão era outra. Eu estava prestes a ingressar na faculdade de rádio e TV e no curso profissionalizante de teatro, coloquei toda minha energia nisso. Fui agenciada pela Ford Models e fiz uma campanha para uma marca de roupas femininas só.

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Como rolou o convite para dublar anime pela primeira vez? Meu pai é dono de uma distribuidora responsável por trazer muito conteúdo audiovisual internacional para o Brasil, inclusive, já distribuiu animes. Eu já tinha uma boa experiência como atriz quando fui convidada a dublar. É um ramo encantador e, como em tudo na vida, eu não me restrinjo.  

Como surgiu a ideia de criar a House of Cats? Por que decidiu se envolver com proteção animal? A primeira vez que resgatei um gato de rua foi aos 9 anos. Eu e minha mãe postávamos nas nossas redes sociais, e assim íamos encontrando os donos. Um dia resolvemos abrir uma página no Facebook e um perfil no Instagram só para isso. Assim nasceu a Associação de proteção animal sem fins lucrativos House of Cats. Já ajudamos 1149 gatinhos a encontrarem um lar. Antes éramos só nós, hoje contamos com a ajuda de uma veterinária e outros voluntários.

Créditos

Imagem principal: Gil Inoue

Produção executiva ADRIANA VERANI Estilo YUMI KURITA (RM MGMT) Beleza HELDER RODRIGUES (CAPA MGT) com produtos Guerlain e Bumble&Bumble Assistente de produção LETÍCIA PUGLIESI Produção de moda GIOVANNA GOBBI Assistente de beleza JULIANA BOENO Assistente de foto LUAN GONZATTI Tratamento de imagens RG IMAGEM

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