Conheça as garotas da Lótus PWR, coletivo feminista que quer desconstruir estereótipos e fetiches da mulher de ascendência asiática no Brasil
Feche os olhos e imagine uma mulher de ascendência asiática. Uma mulher de pele pálida e delicada, olhos puxados e lábios finos, que se movimenta num corpo sem violão, de peito pequeno e quadris estreitos. Exótica – uma mulher quase branca, dizem. Tímida, que ri com as mãos nos lábios. Submissa, que nem sequer se abala com “brincadeiras” sobre sua vagina “na horizontal”.
“Flor do Oriente. Delicada, fala pouco, fraca, frágil, inocente, ingênua, dócil. Porém pronta pra ser fetichizada. Porque nós, mulheres de cor, somos fetiches”, escreveu Fabiane Ahn, 29 anos, sobre sua experiência pessoal, num post pop no Facebook. “Eu sou amarela. O seu feminismo me enxerga?”, questionou a ativista de ascendência sul-coreana, que atualmente vive em Florianópolis.
A fim de desconstruir estes e outros estereótipos sobre a mulher de ascendência asiática no Brasil, um grupo de garotas fundou a página Lótus PWR, em julho de 2016. Idealizado pela artista visual Caroline Ricca Lee, 26, o coletivo reúne ativistas e artistas de diversas áreas, além de fomentar um núcleo de estudos com contribuições da antropologia, da história e da sociologia. “Ainda é custosa a visibilidade na compreensão da pluralidade asiática no movimento feminista”, diz Caroline, que investiga interações do corpo oriental, entre outras temáticas, no Centro de Estudos Orientais do Programa de Comunicação e Semiótica da PUC, em São Paulo.
O movimento pretende contemplar etnias de diversas regiões da Ásia, incluindo a Índia e o Oriente Médio. Ao lado da fundadora Caroline, de família sino-japonesa, estão feministas como a antropóloga paulista Laís Miwa Higa (ascendência okinawana), a artista mineira Ingrid Sá Lee (norte-coreana) e a cineasta amazonense Juily Manghirmalani (indiana).
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De lá para cá, integrantes da plataforma realizaram a Ocupa Lótus no centro cultural Casa das Crioulas e foram convidadas a participar de conferências na USP, no CCSP (Centro Cultural São Paulo) e CCXP (Comic Con Experience). Em dezembro, a página lançou uma série de posts didáticos [ver galeria] sobre estereótipos nas representações da mulher asiática na cultura pop, como a gueixa e a china doll, arquétipos de mulheres servis e sexualizadas que alimentam a dita yellow fever –o fetiche de homens brancos por mulheres asiáticas.
Fora do Brasil, coletivos como The Coalition Zine, Sad Content e Reappropriate vêm discutindo a visibilidade do feminismo asiático. Cá entre nós, a questão ainda engatinha. Nesses primeiros passos, a Lótus PWR mescla artes visuais (ilustrações, lambes, zines)e um léxico militante com expressões como “diásporas” (migrações forçadas), “fenótipos” (marcas étnicas), “interseccionalidade” (abordagem que considera articulações entre marcadores como classe, etnia e sexualidade) e, sim, “representatividade”.
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“Representatividade é um trending topic atualmente”, diz Caroline, que viveu situações em outros coletivos feministas “mainstream”, predominantemente compostos por mulheres brancas, em que compartilhar a perspectiva de uma mulher amarela não era visto como algo “relevante”. “Muitas vezes, minha voz e minha história eram abafadas”, conta.
O recorte racial do movimento, um feminismo dentro do feminismo, tenta dar conta dessa falta de representatividade. “É um movimento feminista que tem na raiz a vocalização e o fortalecimento da construção individual como mulheres de ascendência asiática, em busca da decaída do estigma social que objetifica nossas existências como produtos passíveis de consumo, e que fetichiza nossos corpos como meros bibelôs subservientes”, define Caroline, que se inspirou em muitas feministas negras ao longo de sua trajetória. “Não se trata de fragmentar ainda mais os feminismos, mas de organizar espaços de identificação, principalmente no compartilhamento de experiências vividas em corpos mergulhados em estereótipos”, afirma Laís Miwa Higa, 30, doutoranda em antropologia na USP.
No último Dia Internacional da Mulher, a página lançou uma campanha para promover a inclusão de "discursos e vozes de mulheres e suas vivências plurais, no intuito do feminismo ser um movimento que possa abranger a todas nós". O objetivo era convidar o movimento feminista brasileiro a ter como pauta a vivência de mulheres não-brancas como algo além da representatividade. Veja a galeria:
De fato, a fórmula “ser mulher” + “de ascendência asiática” + “no Brasil” traz um fardo de fetiche diferente. Elas, amarelas, vivem pressões da máxima “bela e recatada” à vigésima potência, como se certa docilidade estivesse marcada a ferro no seu DNA – muitas vezes, por parte da mídia e da cultura pop, da família e até de amigos. Elas, amarelas, são vistas como estrangeiras que não se encaixam nos padrões e que se recolhem num silêncio submisso. Agora, elas também querem ter voz. Eu sou uma delas.
Créditos
Imagem principal: Ingrid Sá Lee / Divulgação