Quando alunos viram professores

por Camila Eiroa

Os estudantes de São Paulo foram para o front contra a reorganização escolar e prometem não desistir tão cedo. Trip acompanhou o movimento de perto

Uma revolução está acontecendo nas escolas estaduais de São Paulo. Mais de 200 unidades, em várias cidades do estado, permanecem ocupadas por alunos de 15 a 18 anos e as ruas da capital paulistana estão pegando fogo. Tiro, porrada e bomba para cima dos estudantes secundaristas que estão reinvindicando o fim da reorganização escolar (nem tão organizada assim) do governador Geraldo Alckmin, que prevê o fechamento de 94 escolas devido ao corte bilionário do Governo Federal na educação. Sob a justificativa de separar turmas por faixa etária, 311 mil alunos serão afetados, mais professores e funcionários.

Em nenhum momento a população escolar foi consultada sobre as mudanças e, por isso, as ocupações explodiram. "A diretoria já chegou com a matrícula de outro colégio para a minha mãe assinar, não nos perguntaram nada. Lá vai ser mais longe de casa, bem pior. As outras escolas é que deveriam vir pra cá, porque nossa estrutura é gigante", conta Júlia, de 16 anos, que é uma das alunas ocupantes na E. E. Di Cavalcanti, na Zona Oeste de São Paulo, a 75ª escola a ser ocupada. Os alunos estão morando lá há quase vinte dias.

"Aluno que reflete é aluno que incomoda. O principal objetivo disso é fiscal, não pedagógico"

Além de acarretar o remanejamento de mais de 1 milhão de alunos, o projeto de reorganização vai aumentar a demanda de vagas em salas já lotadas, demitir professores e funcionários terceirizados que cuidam da parte estrutural dos colégios. Algumas unidades de ensino perderão as turmas do fundamental, outras do médio, e outras fecharão. Para a professora de história Silvana da E. E. Professor Fidelino Figueiredo, "2015 foi o pior ano para a educação". "O projeto de reorganização veio para destruir a escola pública e sabe por quê? Porque aluno que reflete é aluno que incomoda. O principal objetivo disso é fiscal, não pedagógico", afirma.

Em meio ao caos instaurado, Geraldo Alckmin fez um pronunciamento oficial nesta sexta, 4, sobre a situação e prometeu adiar a medida e conversar com a comunidade escolar. Mas temos motivos para comemorar? Não. Suspender a reorganização escolar não significa cancelar a medida adotada. Na quinta, 3 de dezembro, o Ministério Público e a Defensoria Pública encaminharam uma ação judicial para a 5ª Vara da Fazenda Pública, pedindo o cancelamento definitivo da reorganização. A ação ainda está tramitando e não foi julgada, portanto não há nenhuma garantia concreta de que as escolas não serão fechadas. 

"Hoje a aula é na rua"

Ricardo Almeida tem 15 anos é ex-aluno da E. E. Fidelino, que fica no bairro de Santa Cecília, mas está ocupando a escola junto com os colegas. Ele esteve presente em um ato na Avenida São João que eles chamam de travamento — fechar as ruas com as carteiras da escola. A polícia militar já tinha dado o recado: não estavam para brincadeira, mas sim, para a truculência. Ricardo relatou que em menos de cinco minutos as primeiras bombas foram atiradas contra eles. Uma, de estilhaços, atingiu uma moto que começou a pegar fogo instantaneamente. "Conseguimos tirar o motociclista sem ferimentos, alguns civis pegaram um extintor e apagaram o incêndio da moto", conta. "Todas as bombas estavam com as informações raspadas. Em uma, conseguimos ler que a validade estava vencida desde agosto, ela foi mandada para a perícia."

Os alunos prometem resistir e não cair em nenhum golpe que possa ser aplicado sobre eles. "O governador disse que a gente não é de ferro. Realmente, somos de aço! Vamos ficar ali até ele desistir!", diz Victor, de 16 anos, aluno da E. E. Heloísa de Assumpção, em Osasco, a terceira escola a ser ocupada. Ele conta que estão se organizando para cozinhar e para limpar tudo. "Nós, estudantes, estamos ganhando muita força com esse movimento. A gente acorda e já fala um pro outro: resistência. Nosso governo começou o ano batendo em professor e termina o ano batendo em aluno. Isso não pode acontecer porque nós somos o futuro", fala empolgado. 

Thaís é aluna da Fidelino e está dormindo lá há 16 dias. "É natural que a gente esteja cansado, porque estamos sem dormir direito. Mas continuamos firmes e fortes e vamos ficar aqui até o final pra conseguir mudar essa reorganização", diz. "Nós temos que acreditar que vamos conseguir o não fechamento das escolas, senão a luta é em vão." Lá, assim como em todas as unidades, os cadeados estão sob o poder dos estudantes e ninguém entra sem o consentimento deles.

"A gente tem que acreditar que vamos conseguir o não fechamento das escolas, senão a luta é em vão"

Na E. E. Di Cavalcanti, os alunos têm horário de visitação para as pessoas que moram no conjunto habitacional que cerca o colégio. Eles estão recebendo diversas atividades, como sarau, debates políticos e apresentações musicais. Fernanda tem 18 anos e está no terceiro ano do ensino médio — não vai estar no Dica (como chamam o colégio carinhosamente) ano que vem para ver as mudanças, mas confessa que queria. "Depois de tudo isso que está acontecendo a gente não vai mais aceitar certas coisas. Aprendi a fazer as coisas no coletivo, a pensar que não é só o eu, que não é só o meu. Isso é política na prática", acredita.

Para a defensora pública especializada em cidadania e direitos humanos Daniela Skromov de Albuquerque, "não é possível saber exatamente qual é esse projeto de reorganização, quais os detalhes e os fundamentos". "Isso ainda é algo oculto, o que causa espanto em pleno regime democrático. Ainda há essa resistência pelas portas fechadas", ela afirma. E completa:

Fazemos um clamor de respeito a princípios constitucionais básicos, um dos quais a gestão democrática e a participação social. Entre eles o direito de manifestação que, infelizmente, o estado de São Paulo historicamente não sabe lidar. Ficou clara a opção do não diálogo e da violência. Como instituições democráticas não tínhamos outro dever de ofício senão esse, o encaminhamento da ação. 

De acordo com Mara da Mota Ferreira, defensora pública do Núcleo Especializado da Infância e Juventude, a ONU recomenta que 10% do PIB vá para a educação. O que não acontece em São Paulo, onde o governador dedica apenas 3,7%. "Chegamos a um ponto que, se não há diálogo, somente a justiça pra aparcar os conflitos que acontecem e vem se agravando em São Paulo", diz. A suspensão proposta por Geraldo Alckmin tem a validade de um ano, mas ainda é preciso esperar o resultado da ação do MP.

Para a defensora Daniela, os estudantes estarem protegendo a própria escola, "nos torna alunos deles. É uma lição de cidadania". E Júlia, aluna do Di Cavalcanti, dá o recado: "o Alckmin disse que vai ganhar por cansaço, mas ele vai é perder por cansaço. Ele não sabe que os jovens de São Paulo são de luta. Se tiver que ficar para o Natal, a gente fica. Inclusive, já estamos planejando até a ceia. Mesmo que eu esteja qui dentro parada, ocupando, eu estou mudando muita coisa junto com todos os alunos".

Créditos

Camila Eiroa

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