Zé Ibarra e a sede pela efervescência pós-pandemia

por Nathalia Zaccaro

Elogiado por Gal Costa e Milton Nascimento, o carioca de 24 anos teve o início de sua carreira atravessado pela pandemia mas promete dois discos para os próximos meses

Zé Ibarra está sob pressão. Aos 24 anos, ele é apontado pelos gigantes da música brasileira como uma aposta para o futuro e para o presente da MPB. "Não posso decepcionar, mas é uma pressão boa. Fico grato porque é muito bom se sentir admirado por quem a gente admira, dá uma sensação de pertencimento a um lugar que eu sempre quis pertencer", diz o carioca. Milton Nascimento e Gal Costa são alguns dos admiradores de seu trabalho. A baiana o convidou para um dueto de "Meu bem, meu mal" no projeto Gal 75, em que regravou sucessos de sua trajetória, e, com Milton, Ibarra rodou o Brasil dividindo palco na turnê do Clube da Esquina, em 2019.

Ele ficou conhecido como vocalista da banda Dônica, formada em 2015 em parceria com Tom Veloso, caçula de Caetano Veloso e Paula Lavigne. Depois de um longo hiato, a banda promete lançar um novo disco ainda este ano. Mas Ibarra está tocando também sua carreira solo e deve terminar seu álbum para o início do ano que vem. "Quero ter três discos lançados nos próximos 5 anos, ter rodado o Brasil, quem sabe até sair do Brasil. Quero começar a construir uma obra mesmo", conta.

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Dá pra imaginar o tamanho do baque que a pandemia representou pra alguém que, como Ibarra, estava catapultando sua carreira. Apesar do fim dos shows e do isolamento social, ele conseguiu fazer o que precisa pra se sentir bem: música. Na companhia de um grupo de amigos, fez constantes participações nas hypadas lives de Teresa Cristina. Além disso, lançou algumas elogiadíssimas gravações: "Vai atrás da vida que ela te espera", versão da composição de Guilherme Lamounier dos anos 70,  "A Escola", inédita atribuída a Adoniran Barbosa e "Bédi Beat", em dueto com Duda Beat. Mas ele quer mais. "Eu só quero que essa pandemia acabe pra eu poder viver essa efervescência que vai surgir depois desse momento tão dark. Vai ser incrível e eu tô louco pra ver".

Ver ler a entrevista completa com ele:

Trip. Onde você nasceu e onde você mora? 

Zé Ibarra. No Rio, sou carioca. Em março deste ano me mudei pra São Paulo, onde meu pai mora. Resolvi dar uma guinada e ampliar identidades possíveis. O Rio é muito Rio, fiquei com vontade de tentar algo diferente, outro jeito de sentir a vida.

Quando se interessou por música? Uma tia minha conta que, quando eu tinha 2 anos, estava em um rio com ela e perguntei se ela estava ouvindo a música do rio. Eu tinha essa sensibilidade com a música desde pequeno. Tinha muito prazer ouvindo música e nem conseguia falar sobre isso. Lembro da sensação de ter 3 ou 4 anos e ouvir Elis e Tom e ter orgasmos de prazer que nunca se repetiram. Nunca voltei a ter essa intensidade de prazer que eu tinha quando era pequeno, era muito, muito bom.

Quando sacou que seria sua profissão? Nos últimos 3 anos eu comecei a encarar como sustento. No primeiro disco da Dônica eu não tinha ainda senso de trabalho, de dever. Já trabalhava com música, mas não sentia como trabalho, agora sim.

Como se aproximou de Tom Veloso? Ele é meu amigo de escola. Me aproximei dele pela música, foi um encontro de almas. Ele não se deixava viver a música e, quando cheguei, a gente pôde viver junto aquilo, no lugar da criação. A gente não ficava levando som, a gente sentava para compor. Nossa amizade começou assim. Foi um dos divisores de águas da minha vida.  

Como surgiu a Dônica? A gente tinha uma banda de colégio, mas que tocava só cover. Quando propus que a gente tocasse minhas músicas com o Tom, criou-se a Dônica. Dá muito prazer trabalhar na criação do arranjo, na construção dos fraseados, da dinâmica, do clima. Tenho saudade.

Vocês têm planos de mais um disco ou daqui pra frente o foco é a carreira solo? O disco da Dônica está pronto. Vai ser lançado esse ano. Considero bem original, acho que contribui de alguma forma para inovações possíveis da música popular brasileira de agora. O meu disco tô gestando e espero lançar no começo do ano que vem. 

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O que sentiu quando recebeu o convite pra turnê com o Milton Nascimento? Fiquei perplexo. O principal sentimento foi o medo, não me sentia pronto, nunca tinha prestado serviço para alguém, não tinha lugar pra erro. Fiquei 3 meses ensaiando todos os dias sem parar. Foi um misto de medo com muita alegria, me senti feliz, sonho realizado, mas um sonho que era tão distante que eu nunca tinha nem sonhado. Muito orgulho também, de que se estavam me chamando era porque tinha algum motivo. Foi bom pra minha construção como um ser seguro.

Como rolou esse contato? O que te surpreendeu nessa experiência? O Milton gravou uma música no primeiro CD da Dônica e virou padrinho simbólico da banda. A gente se comunicava de vez em quando, mas nada que justificasse o convite. Foi muito inusitado e surpreendente. Foi impressionante, eu viajei pelo mundo cantando e tocando ao lado do Milton, esse ser surreal extraterrestre que ele é. Aprendi muito sobre a dinâmica do que é fazer um show gigante, segurar essa onda. Foi uma das maiores experiências da minha vida, com certeza.

E com a Gal? Como foi participar do disco dela? Foi uma loucura cantar com Milton depois com Gal, que é minha musa maior e absoluta, depois dela só a Nina Simone. Eu tinha cantando os graves pra deixar os agudos para ela, mas ela preferiu trocar. Agradeço a cosmos por me proporcionar algo desse tipo.

Seu trabalho parece estar chamando a atenção de figuras consagradas da música nacional. O que você sente que desperta o interesse deles? Fico admirado por esse interesse, com vontade de estar à serviço. Quero contribuir pro cenário, assim como eles contribuíram. Não posso decepcionar, é uma pressão boa. Fico grato porque é muito bom se sentir admirado por quem a gente admira, dá uma sensação de pertencimento a um lugar que eu sempre quis pertencer.

Como está sendo a pandemia pra você? Angústia, ansiedade, estagnação. Comecei a estudar flauta, alemão, atirei para lugares inusitados, não sei se foram escolhas certas, mas não entrei num espiral de desespero e pânico. Mas é uma absoluta tristeza, a dor do mundo cai sobre mim todos os dias quando acordo e é desgastante essa sensação de impotência, ainda mais com esse governo que parece jogar contra. É uma situação sem paralelo com nada que já existiu nesse país.

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Como rolou o lance da turma que vocês juntaram e que participava sempre das lives da Teresa Cristina? Vocês pensam em quarentenar juntos novamente? Lucas, Dora, Julia e Tom são meus amigos de infância e a gente se uniu porque eu tinha que acabar o disco da Dônica e, como na casa da Julia tem infra pra isso, resolvemos ficar um tempo lá. E aí a Teresa Cristina começou a chamar a gente pras lives dela e foi uma delícia. Aos olhos do mundo formou-se um grupo, mas aos nossos olhos não. Mas a gente embarcou na onda e tem coisas por vir aí, mas não posso contar ainda. 

O que você gostaria que rolasse nos próximos 5 anos na sua carreira? Quero ter 3 discos lançados nos próximos 5 anos, ter rodado o Brasil, quem sabe até sair do Brasil. Quero começar a construir uma obra mesmo, fazer muito show, que é o que me dá mais prazer, o que me justifica enquanto ser humano vivo. Quero construir uma linguagem, falar com as pessoas, me comunicar pela arte. Eu só quero que essa pandemia acabe pra eu poder viver essa efervescência que vai surgir depois desse momento tão dark. Vai ser incrível e eu tô louco pra ver.

Créditos

Imagem principal: Valentina Denuzzo / Divulgação

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