Dobras e Fendas da Realidade
Quantas vezes me agarrei às barras de ferro que gradearam as celas pelas quais passei e chacoalhei com todas as forças do meu desespero de não ter um futuro para sonhar. E ela não se movia. Doíam minhas mãos. Quanta frustração, quanto arrependimento...
Todos podiam sonhar: “mas quando eu sair...” Eu jamais pude. Não podia mentir para mim mesmo. Para sobreviver era preciso encarar. Minha pena era perpétua; ultrapassava 100 anos de condenação. O contrário seria caminho para a loucura. Meus três companheiros de trapaças e condenações não agüentaram. Bala amanheceu enforcado na solidão de uma cela-forte. Os outros dois enlouqueceriam na prisão, posteriormente.
E assim fui fazendo minha vida na prisão. Qual nunca mais fosse sair. Lutando para me manter consciente de que aquele era meu mundo até o fim de meus dias. Vivia tentando extrair o máximo que cada dia pudesse me dar.
Antes de sair entrei na paranóia de esquecer que existia um mundo além das muralhas. Não podia me matar de tanto sofrer desejando conhecer esse mundo sabendo que não teria chances de fazê-lo. Não foi tão difícil. Na memória já quase não havia espaços que me fizessem recordar que um dia fora livre. Eu os perdera no percurso.
O que via na televisão apenas desligava meu cérebro e entretinha vagamente. Era um mundo de mentira, uma vida de plástico. Algo que ameaçava o mundo que eu me impunha; não pensar; não desejar e sequer prestar atenção no que viesse de fora. Passei parte de minha vida tentando cortar a conexão umbilical que possuía com um mundo que sequer lembrava.
Com toda minha verdade afirmo que sentia como houvesse nascido na prisão. Só me lembrava de prisão, desde menino. Nascera ali e temia morrer ali também. Temia morrer a facadas, dormindo, como porco gritando a vida que me fugia. Temia somente a dor da morte. O resto não era tão importante. Se houvesse uma vida após a morte, para onde eu fosse não poderia ser muito pior do que havia sido minha existência. Apanhei demais desde muito pequeno, sofri em excesso, conheci a fome, o frio, a miséria, a violência, a tortura física, mental e o desespero total. Não acreditava que fossem me fazer sofrer mais ainda depois de morrer. Viver sim se traduzia em sofrimento à medida em que minhas disciplinas mentais foram se revelando ineficientes. Às vezes cortejava a morte em longas introspecções. Não me importaria muito em morrer.
Somente quando nasceram meus filhos senti a vida como real, possível. Com eles aprendi a ser responsável por outras vidas. Foram eles que devolveram ao meu coração o amor incondicional que só conheci de minha mãe. Já agora importava existir; sonhar, ter esperanças de vê-los crescer e serem felizes. Aprendi com eles a confiar na natureza, na vida que deve nos proteger a todos.
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Luiz Mendes
30/11/2010