por Luiz Alberto Mendes

Esta vivo ou esta morto?

 

Considere-se que um rato, desses grandes que nos infernizou a vida por semanas (todas as noites), de repente comete uma falha, depois de muitos dias (e noites) de caçada. Depois de ter pulado pó de veneno e driblado placas de material super-colante, qual passasse por feixes de raios laser. Depois de haver desdenhado veneno granulado junto com a ração do cachorro que ele adora (fez rasgos no saco de ração). Depois de ter evitado suculentas bananas com queijo ralado em cima do veneno para disfarçar; doces, até salsichas recheadas com veneno. Depois de todas as maneiras conhecidas (o dono do pet, amigos e vizinhos deram dicas) e imaginadas de se caçar um maldito de um rato, quando não sabia mais o que fazer e já estava dando a guerra por perdida, o bicho cai na mais elementar das armadilhas. E pior, vivo. Quase me senti decepcionado, traído, com ele. Foi pego na ratoeira-gaiola que um amigo emprestou. Bem, agora era minha vez, né?

Então eu o joguei dentro de uma antiga mini-geladeira que não funciona mais, mas que é um excelente banco no quintal. Não sabia bem o que fazer com ele. No começo queria matá-lo a pauladas; eu e Chicão (meu cão), juntarmos ele de pontapés, paulada e dentadas. Imaginei matá-lo afogado, embeber em álcool e colocar fogo (foi o 1º pensamento ao vê-lo à mercê!), encher de facada, um monte de maneiras cruéis e sádicas de exterminar aquele peste daquele rato! Teve quem aconselhasse matá-lo a tiros, mas como não tenho arma, essa opção foi também a primeira a ser descartada. Bem, mas ai surgiu uma questão: será que ele estaria vivo (a geladeirinha continuava fechando normalmente) ou morto quando abrisse a porta da mini-geladeira? Não havia cogitado esse tipo de morte: asfixiado por falta de ar; foi sem querer, talvez querendo...

A geladeira não era tão pequena assim, dessas de oitenta litros, não passara mais de uma hora. O bicho estaria vivo ou morto? Seria um sobrevivente? O pessoal que mora aqui no corredor do quintal, principalmente as crianças e mulheres, rodearam. Para alguns, ele continuava vivo, para outros, estava morto. Caso demorasse mais um pouco e saia até aposta. Então eu fiquei pensando que para aquele povo que não vira o rato (não havia ninguém quando o peguei), o rato só existia porque eu dizia que ele estava ali preso. A existência do rato era relativa ao que eu afirmava. O rato só existia no que eles acreditavam do que eu dizia e na imaginação que formavam disso. Eu poderia ter enganado a todos e não haver rato algum ali na geladeira. E vieram mais amigos do bar em frente para ver, eu dissera que o rato era enorme. Era domingo ninguém estava trabalhando.

Aquilo me levou a refletir profundamente sobre isso das coisas só existirem em nossa imaginação e em nossas idéias. Caramba, como aquilo ajudava no entendimento do idealismo de Platão e de Hegel: a existência das coisas podem estar somente na nossa mente, nós as criamos.

Os meninos queriam que eu soltasse o rato (juntaram-se como que do nada). Estavam animados, já armados de cabos de vassoura, porretes e começaram o coro: solta! Solta! Solta... Só pude atender aos reclamos, covardemente abri a geladeira e deixei a molecada recepcionar o "abençoado". Chicão estava à espreita. O bicho saiu meio que atordoado, mas quando viu Chicão com seus trocentos dentes, quis correr. Foi uma bocada só e já jogou para o alto pra galera terminar o serviço. A molecada é cruel, nem vi o que sobrou, ou se sobrou alguma coisa. Não queria ficar com dó, entende?

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Luiz Mendes

30/09/2013.       

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