Bruno Pesca revela a tensão de surfar no Oriente Médio e suas lições de segurança
Ex-operador do mercado financeiro, o apresentador dos programas A vida que eu queria (Canal Off) e Não conta lá em casa (Multishow) revela a tensão de surfar no Oriente Médio e as lições de segurança que aprendeu trabalhando em ÁREAS de conflito
A sensação de embarcar numa surf trip para Israel é estranha. Como ávido interessado em assuntos geopolíticos, jamais pensei que meu primeiro voo a Telaviv seria em busca de um swell... Mas assim foi e, após cinco meses monitorando o flat no Mediterrâneo, enfim, uma boa previsão. Mesmo tendo percorrido meio mundo árabe, estava naquele mês com um passaporte novo em folha, eliminando qualquer indício de eventual influência moura em minha missão. (Por razões conhecidas, esse requisito é importante para admissão no pequeno e controverso Estado judeu.)
Surfamos por toda a costa israelense e por toda parte sentimos apenas cordialidade. Preocupação sobre segurança vimos no aeroporto, com procedimentos bem constrangedores, aliás. O diretor do programa A vida que eu queria (canal Off), Rico Faissol, passou por um aperto. Seu sobrenome árabe demandou explicações. No fundo, acho que nem Rico nem os surfistas que viajam pelo mundo atrás de boas ondas registradas pelo programa (eu e Marcelo Trekinho) eram exatamente o tipo de visitantes esperados por ali.
Viajar atrás de ondas é fundamentalmente um prazer. Acredito que fomos ao Oriente Médio confirmando a velha máxima de que “o homem é escravo de seus hábitos”, e há quatro anos cultivo o hábito de não desgrudar os olhos daquela região. Isso por conta de meu outro programa de TV, o Não conta lá em casa, do Multishow, com outros bons amigos. Nesse projeto foram quatro anos circulando por países conturbados, com o intuito de superar a desinformação sobre suas realidades. Nele, passamos alguns bocados, sem dúvida. O hotel que ficamos em Bagdá explodiu alguns meses depois da nossa visita. Ficamos atolados no deserto na Somália. Perdidos na estrada no interior do Afeganistão. Até que, finalmente, decidimos que era hora de nos prepararmos melhor.
Voamos então até Ravenna, na Itália, onde o guru da segurança Jim Wagner ministraria mais um de seus cursos especiais. Wagner é um americano obcecado por segurança pessoal, mas o que o diferencia é a autoridade formal de causa. Ex-carcereiro penitenciário na Califórnia, ex-membro da Swat, ex-agente federal à paisana em aviões comerciais, ex-segurança de celebridades e ex-consultor de Hollywood sobre o assunto. Bem, ao menos tudo isso é o que consta em seu website. O que sabíamos era que o Morgan Spurlock havia treinado com ele no início de seu ótimo filme (e livro) Onde está Osama Bin Laden?.
O que mais nos valeu foi o aprendizado real sobre como proceder em situações extremas. De que outra forma descobriríamos que uma luta pra valer com facas dura, no máximo, dez segundos? Que é melhor correr em diagonal e zigue-zague quando estivermos sob fogo de algum atirador num massacre? Que, numa luta de vida ou morte, é sempre melhor mirar nos olhos e nos joelhos do oponente? Entre outras lições que esperamos nunca precisar usar na vida.
"No curso do guru de segurança Jim Wagner, aprendemos que é melhor correr em diagonal quando estivermos sob fogo, entre outras lições que esperamos nunca precisar usar."
Evidentemente, o treinamento de Wagner falhava em reproduzir a adrenalina de situações extremas – mas, bem, qualquer treinamento é assim. Foram cinco dias de exaustão dentro de uma academia de polícia, ao fim dos quais me convenci de duas coisas: 1) a fama de metrossexuais dos italianos não é de todo falsa, afinal até no vestiário masculino dos policiais encontramos vários secadores de cabelo;
2) havíamos diminuído nossas chances de morrer durante a próxima visita a um país em guerra. Ou ao menos em tese. E, como diz uma famosa expressão do mundo do surf, o que importa é o feeling.
FIM DO MUNDO
Quando o assunto é segurança mundial, o feeling não é exatamente de euforia. Alguns analistas chegam a vislumbrar uma terceira guerra mundial no futuro caso a União Europeia se desmantele no momento atual. Pessoalmente, não creio nisso – talvez pela minha índole sempre otimista. Sei que muitos pensadores ilustres gastaram muitas linhas dissertando sobre as razões de o mundo jamais poder se tornar um lugar seguro, e os leio com grande interesse.
Na década de 1930, contexto de pós-Primeira Guerra Mundial, a Liga das Nações propôs aos maiores intelectuais e cientistas da época um desafio até então inédito. Eles deveriam escrever uns aos outros de forma a cruzar conhecimento e discutir temas e soluções para a humanidade. Einstein escolheu Freud. Einstein, um otimista assumido, perguntou se pelos caminhos do conhecimento psicanalítico haveria indícios para supormos que um dia um mundo sem guerras seria possível. Freud foi categórico e respondeu que não, num belo resumo sobre a psique humana versus a organização das sociedades. Desapontado, Einstein insistiu: “Mas nem mesmo se alcançarmos a igualdade plena de direitos e oportunidades entre todos os homens?”. Freud devolveu: “Acho que não. Nem mesmo assim seria possível”.
Não há necessidade de questionar Freud. O que todos nós sabemos, com segurança, é que estar vivo nada tem a ver com estar seguro.