Baianos
Se quiserem falar de baianos, falem. Língua não tem osso. Essa é uma atitude bem de alguns paulistas preconceituosos e intolerantes. Mas por favor, não o façam perto de mim.
Já fui bastante preconceituoso antes de ser preso. Na prisão nos mesclamos entre negros, brancos, mestiços; paulistas, baianos, mineiros, cariocas... Somos todos prisioneiros. Sem nome, cor, idade ou naturalidade. Misturamos nossos cheiros e suores em celas superlotadas. Só seremos notados se fizermos falta na hora da contagem geral. Daí sim vão querer saber de nós. Somos um número.
Levado ao limite, o homem se revela. Não há porque máscaras ou esconderijos. Todos ali são culpados e sentenciados. Ladrões, assassinos, traficantes, bandidos... O preconceito era contra estupradores e “otários”. Os primeiros eram assassinados e os outros extorquidos, quando jogados no nosso convívio. Alguns de meus melhores amigos eram nordestinos, nem sei bem por que. Talvez porque o sotaque deles me encantasse.
Ao sair da prisão, estive em Salvador e fui magnificamente recebido. Aquela gente é doce e generosa; foi emocionante participar da vida de alguns deles. Ano retrazado estive duas vezes por lá a trabalho, na Universidade Federal (UFBA) e na Universidade Estadual (UNEB). Ano pássado estive na Oi-Kabum trabalhando com cerca de 120 jovens. Fiz grandes amigos por lá que busco cultivar.
Conheci um rapaz aqui no bairro que havia lido meus livros. Ele me levou a um bar aqui perto. A clientela é quase toda composta de baianos. Há um sobrado enorme ao lado e boa parte deles mora ali. É quase uma grande família. Um irmão foi trazendo o outro, depois sobrinhos, tios... Vivem aqui e lá. Ganham aqui e gastam lá. Adoram a Bahia.
Passei a frequentar o ambiente deles. Não demorou e eu já era da “casa”. Quando me encontram fazem festa, abraçam com sinceridade, chegam a erguer no alto como eu fosse da família; só faltam beijar. Expandem alegria e se alguém bater na mesa e sair um som, eles já querem dançar. Ô povo para gostar de dança e festa... E trabalham muito: nenhum deles foi cooptado pelo crime no bairro.
Aprendi a gostar do jeito moleque com que brincam o tempo todo. São delicados comigo, tratam com o mais profundo respeito. Quem me dera ser merecedor desse carinho, desse cuidado. Fico até incomodado com isso: sou um paulistano tão grosso e estúpido...
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Luiz Mendes
18/05/2012.