As coisas andam tão confusas que dá para pensar naquele pensamento de Nietzsche que fala sobre o caos que faria surgir a estrela guia. Tudo parece virado de cabeça para baixo. Há uma conspiração geral contra a confiança, parece que ela será banida dos tempos modernos.
As pessoas, as comunidades, a polícia, as grandes causas, os partidos políticos, os políticos, as autoridades, o poder, estão se extinguindo, é o que dizem os pensadores atuais. Parece que perderam a consistência. Não há mais segurança em nada. Tudo flui e tornou-se líquido, não há mais solo firme. Talvez só agora estejamos percebendo que nunca houve segurança ou confiança e que fomos enganados sempre.
O mais difícil é que pessoas aceitam o inferno de cada dia, tornando-se parte dele de tal forma que já nem percebem. Por exemplo, não há mais como conviver nas grandes cidades; tudo impede o desenvolvimento humano, a começar pela indiferença que somos forçados; o trânsito; a água; a energia elétrica... A cidade esta associada ao perigo e à falta de segurança. E elas foram construídas para dar segurança para seus habitantes contra o inimigo, fora de seus limites. O "inimigo" hoje é interno e causa medo onipresente.
Claro que existem aqueles que rompem e não se conformam com a desumanidade que mergulhamos. São aqueles que se arriscam a pesquisar e conhecer, sabem reconhecer quem e o que, no meio dessa miséria existencial, dão continuidade e duração a tudo isso. Rompem mesmo sabendo que não há como fazer o rio da história retroceder e o que resta é lutar contra seus efeitos destruidores na coexistência humana. Buscam um espaço mais adequado para que nossas bases humanas possam enraizar e criar uma vida mais simplificada e verdadeira.
Será que essa desagregação toda tem algo a ver com o processo de globalização? Porque na interdependência global que vamos mergulhando aos poucos, não há mais como nos sentirmos inocentes da miséria, da fome ou das dores das outras pessoas. No Brasil, na África ou na puta que o pariu. Não há como dizer que não sabemos e que não temos como aplacar o sofrimento e a miséria dos outros seres humanos. Claro, podemos ser impotentes sozinhos, mas sempre podemos fazer alguma coisa se nos juntarmos. A confiança não pode restar vencida sem lutarmos. O entardecer ainda se enche de cores fortes e o amanhecer ainda brilha suas luzes pela manhã.
Como seria gostar de pessoas que não são como nós, que não vivem como nós? Como seria não aceitar mais as desconfianças, os preconceitos, os egoísmos, aquilo de achar que somos melhores que os outros? Como seria romper com tudo isso que nos impede de ir ao encontro das outras pessoas? Estar abertos a elas, sem medo, encarando-as como elas são e não como queremos que elas sejam? Estaríamos nos arriscando a sofrer, a sermos extintos, perdermos nossos privilégios, perder nosso tempo e não encontrar recíproca na outra pessoa? Melhor criarmos sistemas que policiem sistemas; auditorias que fiscalizem auditorias; esquemas que vigiem esquemas, já que a confiança foi perdida? É possível rompermos todos juntos? Vale a pena o risco? Esta na cara que os poderosos dirão que não, parte significativa de nós habituou-se e preferem as migalhas que possuem. Que adianta todo esse poder, toda essa arrogância, a autoridade, a riqueza e todas essas mentiras para manter-se no comando se de repente se pode perder um bem mais profundo, uma mãe, um amigo ou pior; um filho? Gostaria de saber: sofre-se menos, talvez?
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Luiz Mendes
06/04/2015.