Ricardo Guimarães: ”Celebrar é uma convenção”
Celebrar é uma convenção. Assim como fim de semana e férias são convenções com as quais convivemos há tanto tempo que achamos que são naturais
Caro Paulo,
Treinei várias lutas marciais. Nunca fiquei muito tempo. Mas frequentei o suficiente para ouvir todos os mestres dizerem que celebrar era muito perigoso. Diziam que ao celebrar tiramos a atenção da luta e nos tornamos vulneráveis à adversidade e aos adversários.
O ensinamento fez muito sentido para mim e por isso sempre achei estranho funcionários nas empresas reclamarem que faltam comemoração e celebração do atingimento das metas, das vitórias. Mesmo nas empresas que dirigi sempre houve essa cobrança, que, naturalmente, eu não entendia.
Celebrar é uma convenção. Assim como fim de semana e férias são convenções com as quais convivemos há tanto tempo que achamos que são naturais. Não são.
A natureza não celebra nem para de trabalhar no fim de semana. Percebi isso quando criança: passava férias escolares na fazenda de minha família quando me dei conta de que a rotina dos estábulos era a mesma no fim de semana. Pedi explicações ao meu pai e, para minha total surpresa, ele respondeu que para as vacas não havia fim de semana! E alguém tinha que ordenhá-las.
Naquele momento o idiota entendeu a diferença entre o cultural e o natural.
Acho que essa foi a minha primeira lição de biomimética – a disciplina que utiliza a natureza como fonte de aprendizado e inspiração para criar soluções no mundo dos humanos.
Expulsos do paraíso
Vamos entender: a natureza, selvagem e inculta, como as vacas, vive tranquila com o trabalho e com o esforço para sobreviver. Nós, os ditos civilizados e cultos, sofremos com o trabalho e sentimos necessidade de reconhecimento e celebração de cada conquista. Acho que quando fomos expulsos do paraíso a pena não foi ter que trabalhar para ganhar a vida, mas a necessidade insaciável de reconhecimento e celebração. É uma tortura divina que só acaba no dia em que se descobre que the journey is the destination, isto é, there is no paradise.
Juntando a lição do mundo natural com o conselho dos mestres temos boas razões para sermos bem criteriosos para escolher o que celebrar e como celebrar.
Gosto de celebrar aniversário porque é a oportunidade de renovar propósito de vida, o que nos lembra de que não estamos aqui a passeio. Por exemplo, 25 anos de Trip é uma data legal, mas mais legal é comemorar com reflexões sobre a realidade e o futuro, para não fragilizar nossa prontidão de luta. Foi o que aconteceu no encontro do Miguel Nicolelis com o Contardo Calligaris num debate envolvente sobre os próximos 25 anos e no Prêmio Trip Transformadores, que ao celebrar a luta dos homenageados se torna parte dela. Isso sim é celebrar.
Parabéns, Paulo, Califa e equipe. E obrigado pela viagem. Trip is the destination!
Meu abraço.
Ricardo
*Ricardo Guimarães, 62, é presidente da Thymus Branding. Seu e-mail é ricardoguimaraes@thymus.com.br e seu Twitter é twitter.com/ricardo_thymus