Divisão e Transgressão
A não ser que fuja, um homem inicia o desentendimento consigo mesmo quando começa a questionar sobre seus atos. Estará condenado a esse desentendimento para o resto de seus dias. Viverá dividido em si mesmo, entre o que quer e o que deve fazer.
Nem sempre suas decisões serão sensatas, mas serão de um homem. Este ser incompleto, altamente complexo, dividido em si e que vive a decidir, enquanto tudo o que deseja é apenas um pouco de paz. Paz, essa criação cultural. Loucura humana pela sua evidente impossibilidade.
Divididos, porém humanos. Criamos a teoria do impossível e praticamos o caos. É possível amar o homem em sua trajetória selvagem e inóspita. Mas, com certeza, não dá para admirá-lo. Somos transgressores por condição humana. Historicamente está mais que provado que somente avançamos transgredindo com o existente.
Faço e refaço o meu itinerário. Penso e depois repenso tudo de novo. Então paro com o peso vergando o olhar. Estive dividido, partido e quase consegui ser infeliz para sempre. Não fora transgredir com o meio, aprender o que nunca me ensinaram e ainda estaria na prisão. Turvas noites, loucos vendavais e longos punhais.
Escrever é brigar os com piores momentos e transformá-los nos melhores textos. Transgredir é isso: fazer o mais difícil sempre. Aquilo que todos achavam que deveria ser feito, mas ninguém faz. Pensamento maldito, cuspido, sorrateiro e preso às paredes da mente que, num curto circuito íntimo, solto como passarinho da gaiola.
Quem cria transgride, faz em contraposição ao anterior. Escrever é dialético. Ardentes e calientes, as palavras vagam ao vento para serem preenchidas de sentido. A poesia transgride com as coisas duras, ásperas, escuras, secas e difíceis de serem engolidas da vida, tornando-as docemente tristes e suportáveis.
Divididos, vivemos clara manifestação de descontentamento com o que temos. Mesmo quando a dor insiste em suores frios, podemos ir além. Queremos um futuro que não seja fatal como um provérbio. Amadureceu a hora de acordar e já não é mais possível voltar. A armadilha do tempo nos espera tendo às mãos pássaros que se iluminam ao sol.
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Luiz Mendes
23/09/2011.