Os big riders Garret McNamara e Kealii Mamala encontraram uma forma impressionante de despertar e atenção para o aquecimento global: surfar as ondas causadas pelo derretimento das geleiras no Alasca
Em raro momento de adrenalina controlada, Garrett McNamara estava à toa na vida, no sofá de casa. Então, o amigo filmmaker Ryan Casey chegou, ligou a TV e jogou na tela antigas imagens de ondas formadas pela queda de paredões de gelo no Alasca. Garrett abandonou a leseira e assumiu uma postura alerta: as cenas impressionavam. Bastou uma troca de olhares para ambos concordarem que estavam diante da próxima aventura. “As imagens eram tão bonitas que me hipnotizaram”, lembra McNamara. “Se eu tivesse alguma noção do perigo que aquilo representava, pensaria duas vezes antes de ligar para o meu parceiro de tow-in Kealii Mamala e encarar aquelas geleiras. Foi, de longe, o projeto mais perigoso com que me comprometi na vida”, afirma o surfista. Para ter idéia do que isso significa, basta lembrar que a frase saiu da boca de um big rider havaiano, pós-graduado e doutorado nas ondas mais cabulosas do planeta.
O bizarro é que essa, digamos, nova modalidade esportiva tem relação direta com o aquecimento global: com os mares árticos esquentando, a queda de imensas geleiras de 400 pés ficou, infelizmente, mais regular. A medida equivale a 121 m, altura média de um prédio de 40 andares. O que esses caras estavam prestes a fazer era colocar jet ski e prancha logo abaixo desses imensos paredões e esperar até que um dos desabamentos originasse ondas surfáveis. “Resolvemos tirar proveito dessa tragédia ecológica”, analisa o big rider. “Essas geleiras estavam lá desde sempre – e hoje estão sumindo. O surfista é um cara que tem muito contato com a natureza, mas, mesmo que você não se preocupe tanto com o assunto, tente dar pelo menos um Google em ‘global warming’... Leia sobre o que pode fazer para ajudar a minimizar e reparar os danos que temos feito ao meio ambiente. A questão é: se a geleira some, você some! Simples assim”, alerta.
Como não há registros de tentativas anteriores de surf em geleiras, Garrett, Kealii e Ryan inventaram uma preparação de corpo e espírito. A ideia era praticar o esporte na costa sul da Austrália, para ganhar resistência e aperfeiçoar técnica. Além disso, passariam uns dias com a família para diminuir a ansiedade, daí seguiriam para o Alasca para se habituar à paisagem e localizar picos seguros para a queda. O cenário escolhido foi a Chil’s Glacier no rio Cooper, próximo a Cordova, South-Central Alaska. Na mala, o equipamento de surf convencional foi reforçado com um capacete mais resistente, joelheiras e um longjohn para baixas temperaturas – que impediria o surfista de afundar no mar gelado.
DIA D
“A primeira vez que um dos pedaços de gelo explodiu tive vontade de enfiar meu rabo entre as pernas e voltar para casa. Foi péssimo! A geleira caiu de uma forma perigosa – chapada na água, bem perto de nós. Muitos pedaços de gelo foram arremessados contra o jet ski... e depois de tudo isso a onda não quebrou”, lembra. Garrett ficou muito assustado. Olhou para Kealii e disse que não estava disposto a correr aquele risco. Era insanidade demais. Kealii riu: “Aposto que, em poucos dias, você vai me pedir para voltar... Então fica aí mesmo e vamos esperar pelo próximo”. Muitas horas de espera depois, a adrenalina não baixava. A ansiedade tomava conta do corpo e os olhos dos surfistas estavam completamente alerta. Ao redor, pequenos ursos negros, águias e inúmeros salmões raspavam nas pernas prestes a congelar. Foi então que um barulho intenso como o de um trovão quebrou o silêncio. “Era um som tão alto que parecia uma tempestade a caminho. Me senti no meio da guerra do Vietnã!”, exagera Garrett. Em seguida, uma geleira de mais de 100m abriu caminho para uma perfeita onda – três minutos do surf mais belo e perigoso que a dupla já tinha encarado.
“Foi a experiência mais extraordinária da minha vida... É muito difícil a paisagem no oceano variar; as ondas geladas do Alasca tiraram tudo dos eixos.” Faria de novo? “Nesse momento, pensando racionalmente, te diria que não... Mas quando o verão chegar e eu não tiver mais nada pra fazer e estiver deitadão no sofá pensando na vida... Quem sabe?”
Créditos
Imagem principal: Ryan Casey e Robert Brown