Surf longa-metragem

por Kátia Lessa
Trip #168

Um swell no Peru com ondas de 2 km de extensão interrompe a agenda de empresários

Todos os dias, na sala de seu escritório em um bairro movimentado de São Paulo, o empresário João Simonsen checa as condições do mar em sites de surf internacionais. E, além das boas marolas que pega no litoral paulista, aproveita para conferir as ondas no Havaí, Indonésia, Costa Rica, México e... opa! Peru. Um swell, dos grandes, a caminho da costa peruana dilata as pupilas do surfista de fim de semana. Abre a agenda, verifica se não há nenhuma reunião importante – importantíssima – na época e começa a via-crúcis telefônica atrás dos companheiros de surf trips. Alguns moram no sul do Brasil, outros na Califórnia, outros no Havaí. Todos eles companheiros de praia, com quem João se encontra pelo menos duas vezes por ano, onde Netuno estiver mais inspirado. E, de abril a julho, esse lugar tem grandes chances de ser o antigo império inca.

“Cara, vai entrar um swell foda no começo de junho no Peru. Fecha?” Agenda vai, agenda vem... “Tô dentro”, diziam em série. Cinco deles fecharam. O paulistano João Simonsen, os gaúchos Diogo Cabeda, Richard Johannpeter, Marcelo Bussmann e o catarinense Duda Negrão.

Poucos dias antes do embarque, o swell perde força e quase acaba com a alegria dos surfistas engravatados. Mas a aventura continua de pé. Data do encontro: 7 de junho na pousada El Faro, na árida Pacasmayo, a Disney das esquerdas perfeitas. Para chegar até lá, cada um pega um avião em uma cidade diferente e desembarcam em Lima. Da capital, voam até Trujillo e, com mais uma hora e meia de carro, encontram o litoral rochoso, alaranjado, cujo verde se resume aos poucos cáctus diante da varanda da pousada. Sentados, eles observam as ondulações noturnas e a intensidade dos ventos. A manhã seguinte promete.

O dia começa cedo. Antes mesmo de o sol aparecer entre a forte neblina, os quatro tomam um café-da-manhã leve, vestem o long john de 4 mm – uns com botinhas para agüentar a água gelada, outros sem – e se alongam antes de entrar no mar. As ondas, um pouco menores do que esperavam, estavam entre 6 e 7 pés. Assim que chegaram, um terremoto em Lima alterou a intensidade do swell, mas o mais impressionante, nesse pico, não era a altura, mas sim o comprimento da parede de água. De dentro do mar, não era possível ver onde a espuma salgada morria. “Foi impressionante. As ondas eram tão longas que eu cheguei a contar 14 batidas depois de um único drop. Em média ficávamos mais de 1 min em pé. É tanto tempo que as pernas chegavam a ficar moles”, lembra João. “Surfávamos tanto que no fim do dia era impossível pensar em jantar fora ou tomar uma cerveja no bar. Só conseguimos ânimo um dia para provar o frango com batata típico da cidade. Era da água pra cama, da cama pra água”, conta Diogo. Além do frango, o menu oficial dos atletas foi à base de cebiche, embora um deles tenha amarelado para a delícia local. “Não provei. Fiquei com medo de arriscar a viagem. O peixe cru pode esperar uma situação menos especial”, brinca Marcelo.

“Pela manhã surfava um mar perfeito e, depois do meio-dia, aproveitava o vento regular para brincar de kitesurf”

A água a 19°C e a forte correnteza faziam com que o grupo não agüentasse muito tempo no mar. Mas, diferentemente do que acontece em lugares como o Havaí, a falta de crowd tranqüilizava os surfistas, que podiam entrar no mar na hora que quisessem, sem ter que disputar território com mais ninguém. “Tinha onda de sobra. Os poucos locais que apareciam até gostavam que estivéssemos por lá porque ganhavam carona de volta no jet ski, sem perder muito tempo com a remada contra a forte correnteza”, conta Simonsen. Cada um fazia turnos de em média três horas dentro da água. “O ritmo por lá foi na medida certa. Como uma onda rendia por várias, revezávamos o jet ski, que servia de reboque para além da rebentação e para buscar a galera depois de correr 2 km de distância na onda, e a prancha. E ainda sobrava tempo para brincar de kitesurf durante a tarde. O grande segredo dessa viagem é o jet, porque você ganha o tempo da remada. Acho até que estamos ficando preguiçosos”, fala Richard.

“Adoro a Indonésia, mas o Peru oferece uma onda incrível e é aqui do lado. Quer coisa melhor?”

“O que mais me marcou nessa viagem foi a possibilidade de surfar em um mar perfeito pela manhã com meus amigos e, depois do meio-dia, aproveitar o vento regular de 20 nós para brincar de kitesurf. Nosso grupo não sofreu nenhum acidente, mas uns caras da mesma pousada perderam o kite no píer e só encontraram mais tarde, todo rasgado. O vento era bem forte, mas o João já conhecia o lugar, e isso ajudou”, explica Diogo. “É um excelente pico para surfar, mas não é para amadores. Dois dias antes de chegarmos um surfista perdeu o controle do kite e não conseguiu voltar. Os funcionários do hotel tiveram que resgatá-lo de barco”, reforça Richard.

A maioria do grupo já tem o hábito de praticar exercícios e surfar nas horas livres, mesmo morando longe do mar, mas antes de trips como essas o treinamento fica mais puxado. “No ano passado, quando fomos para as ilhas Mentawai, na Indonésia, fiz uma preparação física de dois meses com bastante ginástica, ioga e alongamento para agüentar o ritmo puxado. Mas na viagem ao Peru nem deu tempo de bloquear a agenda e arrumar as malas. No quarto dia eu mal conseguia me movimentar”, explica Diogo. “O surfista tem que estar bem preparado fisicamente sempre, porque nunca se sabe quando o swell vai chegar”, acrescenta João.

Marcelo Bussmann, 29 anos, o mais novo do grupo, fazia sua terceira expedição para o Peru. “Vale muito a pena ir até lá porque não existe uma onda nem um pouco parecida com essa no Brasil. Cerca de seis e sete pés de altura, mais de 1 km de comprimento, lisa, perfeita. Ela é excelente de manobrar. Uma manobra de linha, que você cava, calcula e manda a batida. Um sonho. Recomendo que quem queira ir pra lá leve pelo menos duas pranchas com remada boa para ondas de linha, diferentes das do Brasil. Eu levei duas 6’3”, aconselha. “Surfo há dez anos na região. Pacasmayo tem as ondas mais longas do mundo. Elas são velozes e, acima de tudo, permitem que você pense nas manobras enquanto ainda está sobre a prancha. É o meu lugar preferido para o esporte. Adoro a Indonésia, mas o Peru oferece uma onda incrível, e é aqui do lado. Quer coisa melhor?”, conclui Richard.

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