Skatista fala de seu novo filme, onde conta o início da profissionalização do esporte e da equipe Bones Brigade
A história de Stacy Peralta se confunde com a história do skate nos Estados Unidos. Nascido e criado na Califórnia, ele integrou o primeiro super time de estrelas do esporte, os ultrapopulares Z-Boys, que entraram em definitivo para a história através de um documentário dirigido pelo próprio Stacy: Dogtown & Z-Boys (2001). Ele se profissionalizou no carrinho em 1976, recebendo uma “bolada” no primeiro pagamento. Em 1979 ele mudaria de hábitos, trocando as ruas por um escritório de sua própria companhia, a Powell-Peralta, que comandou até 1991.
À frente da empresa, Peralta fundou nos anos 80 a Bones Brigade, uma equipe de skatistas patrocinados pela marca que contava com ninguém menos que Steve Caballero, Mike McGil, Rodney Mullen, Tommy Guerrero, Lance Mountain e Tony Hawk. E é a história desse grupo que chegou às telas dos Estados Unidos neste ano com o filme Bones Brigade: An Autobiography, dirigido pelo próprio Stacy e que conta os altos e baixos desse time que mudou para sempre a trajetória do skate. O filme ainda conta o papel do próprio Stacy como empresário visionário que acreditou em seus atletas. Outro destaque do filme é a parceria com o também visionário Craig Stecyk, que foi o maior influenciador na maneira em que a marca Powell & Peralta se apresentava. O filme ainda conta com depoimentos de personalidades, como o músico Ben Harper.
Após deixar a Powell-Peralta, Stacy abraçou com tudo que tinha a carreira de cineasta. Depois de Dogtown & Z-Boys veio Riding Giants (2004) sobre a caça de ondas grandes na costa americana. Em 2005, Peralta assinou o roteiro de Os Reis de Dogtown (2005), a cinebiografia dele e de seus companheiros de equipe dos anos 70, estrelada por Heath Ledger. Em 2008 saiu Made In America, que conta a história dos conflitos entre os Bloods e os Crips, duas grandes gangues de Los Angeles.
Agora, Stacy vem ao Brasil em novembro para uma premiére do filme, com apoio da Vans.
Mas encontrou um tempo entre um festival de cinema e outro para falar com a Trip sobre Bones Brigade, viver de skate e a relação entre felicidade e trabalho [tema central da edição #215 da revista].
Antes de mais nada, gostaria que você falasse um pouco sobre a produção de Bones Brigade. Como surgiu a ideia para contar essa história?
Os seis caras que estrelam o filme, especialmente Tony, Caballero, Rodney e Lance, estavam tentando me convencer a fazer esse filme há oito anos [risos]. Mas eu não estava confortável para fazê-lo, já que eu não queria repetir a posição que eu me encontrei quando fiz Dogtown, de ser o diretor e um dos personagens. Então sempre recusava essa proposta. Mas os anos se passavam e eles sempre voltavam a me convidar. Até que o Lance disse: “Cara, hoje nós todos somos mais velhos do que você quando fez Dogtown. Você precisa relaxar” [risos]. Então finalmente aceitei.
Quanto tempo demorou para finalizar o filme e como foi o processo?
Começamos a fazer Bones Brigade em 2011. Esse foi meu recorde de velocidade para a produção de um filme. Demoramos entre sete e oito meses entre todas as etapas. A estreia aconteceu em janeiro deste ano, no festival de Sundance, e de seis exibições, cinco terminaram com o público aplaudindo de pé. Para mim foi uma enorme surpresa, porque pessoalmente não achava que o filme tinha esse potencial todo. Mas quando começamos a filmar e comecei a ver o que esses caras eram capazes de trazer para a história, finalmente entendi que tínhamos algo especial ali e que era eu que não conseguia perceber isso antes. No fim, ficou muito melhor do que eu esperava.
E como foi revirar todas aquelas horas de imagens de arquivo? Como você se sentiu vasculhando o passado?
No filme tem muita coisa que eu mesmo filmei há anos e que tinha esquecido completamente. Então você imagina a surpresa quando encontrei imagens feitas na Austrália e coisas que foram para os vídeos da Bones das quais eu nem fazia ideia que ainda existiam. Mas é uma parte gostosa do processo, porque te ajuda a completar os buracos na história. É como ter evidências físicas de coisas que aconteceram em uma época ancestral. Mas é uma parte difícil, que envolve uma tonelada de trabalho. Você tem que se perguntar constantemente se há uma razão pela qual as pessoas iam gostar de ver determinada imagem. Quando você está montando um filme como esse você vive com uma espécie de ansiedade o tempo todo. Você se pergunta se o filme vai funcionar, se os personagens estão bem representados e se as pessoas vão ficar inquietas assistindo o filme.
Qual foi a maior motivação para fazer o filme? Quais eram seus principais objetivos ao contar essa história?
Na verdade, o maior objetivo era encontrar a história e descobrir o que era interessante sobre ela. Eu precisava encontrar o ângulo emocional para o roteiro e quais eram os obstáculos dessa história. Um dos maiores desafios disso foi o fato de que todos os caras que estrelam esse filme acabaram se tornando muito bem sucedidos. Nenhum deles acabou na rehab [risos]. Então não era um drama típico que você encontra em histórias de bandas. Quero dizer, não tinha um caso em que quatro integrantes de um grupo se perdiam ou ferravam suas vidas inteiras, acabando na reabilitação e quebrando as suas famílias. Nada disso aconteceu com essa galera. Então eu precisava entender onde estava o drama. E no fim das contas eu achei: o drama está em contar toda a luta e a rejeição que esses seis enfrentaram para poderem tornar-se quem eles são hoje.
"Você tem que se perguntar constantemente se há uma razão pela qual as pessoas iam gostar de ver determinada imagem. Quando você está montando um filme como esse você vive com uma espécie de ansiedade o tempo todo. Você se pergunta se o filme vai funcionar, se os personagens estão bem representados, se as pessoas vão ficar inquietas assistindo o filme"
Você consegue escolher qual dos skatistas da Bones Brigade era o mais inacreditável de se ver andar?
Essa é muito, muito, muito difícil de responder [gargalhadas]. Me sinto tentado a dizer Tony Hawk, porque ele virou essa figura que todo mundo conhece. Ele se tornou esse mito por causa da quantidade de manobras que ele inventou ou aperfeiçoou. Mas acredito que cada um deles teve sua vez em ser o mais espetacular do time. Em um determinado ponto, o mais insano era o Caballero. Em outro momento foi o Mike McGill, quando ele inventou o 540 que deu origem ao McTwist. Em outro momento foi Rodney Mullen e a invenção do ollie no chão. Então todos eles dividiram esse posto de mais impressionante da equipe. Eles se aproveitavam da habilidade um do outro e evoluiram juntos durante todo aquele tempo.
E você ficou feliz com a recepção inicial do filme?
Mais feliz do que com qualquer outro filme que tenha feito. Como disse, não esperava que o resultado seria tão bom. A história ficou muito forte. E a recepção fica cada vez melhor. O mais surpreendente pra mim foi o quanto as mulheres, especialmente as que são mães, gostaram do filme. Em Sundance mesmo, muitas mulheres com filhos vieram falar comigo depois das sessões para conversar sobre o filme.
Isso é interessante. Por que você acha que o filme despertou o interesse das mães?
Acredito que, para as mães, Bones Brigade mostra uma janela direta para dentro da vida de um garoto. Acho que a história dos seis oferece um insight sobre como criar um menino e sobre o que esse menino deseja da vida. Então esse sentimento mexe diretamente na cabeça das mães. Mas as mulheres em geral, eu imagino, gostam do filme porque entendem e apreciam a vulnerabilidade que todo mundo mostra nas entrevistas. Todos são honestos e muito abertos sobre suas vidas. Então a impressão que eu tenho é que é disso que elas gostam no documentário.
Quando você percebeu que era possível viver de skate?
Bem, pode parecer óbvio. Mas eu percebi no dia em que finalemente me tornei profissional. Isso foi em 1976. Na época do meu primeiro pagamento eu recebi algo entre US$ 3 e 4 mil, que naquela época era um monte de dinheiro [risos]. Especialmente para um moleque de 17 anos que estava perseguindo um sonho que parecia impossível.
Quanto tempo demorou até você começar a encarar o skate como um emprego?
Eu comecei a companhia com George Powell em 1979, só três anos depois do meu primeiro cheque. E naquele ponto eu já me liguei que minha vida estava mudando. Eu não era mais um skatista profissional. Ali eu passei a ser uma pessoa que estava começando uma companhia. Então ali eu tinha um cargo. Ali eu realmente comecei a trabalhar. De repente, o meu trabalho não era mais construir minha carreira. Ele passou a ser construir uma companhia.
"Quando era profissional, só precisava cuidar de mim. Mas com a companhia, tinha que entender quais produtos eram mais relevantes em se produzir, onde o skate estaria em cinco anos, como o esporte iria mudar"
Como a empresa mudou sua visão do skate?
Acredito que nesse ponto a grande virada foi começar a ver o panorama do skate de uma forma mais geral. Eu estava abrindo os olhos para um mercado. Quando era profissional, só precisava cuidar de mim. Mas com a companhia eu tinha que entender quais produtos eram mais relevantes em se produzir, onde o skate estaria em cinco anos, como o esporte iria mudar, como os produtos iriam mudar e como as pistas iam mudar. Então comecei a me sentir mais empresário do skate do que skatista de uma empresa [risos]. Porque tinha que comandar uma companhia, com múltiplos funcionários e fluxos de caixa. Então a história se transformou pra mim ali. Na verdade, eu gostava mais desse lado, porque assim podia dar tudo de mim para participar diretamente da evolução do skate.
"Eu trabalhava direto, mas estava infeliz por estar dirigindo coisas que não tinham nada a ver com o que eu queria fazer. Criativamente estava muitíssimo insatisfeito. E foram oito anos me sentindo assim, até Dogtown & Z-Boys"
Como foi sua transição da indústria do skate para a indústria cinematográfica? Decidir encarar o papel de diretor foi tão assustador quanto encarar o desafio de ser skatista profissional?
Não foi tão difícil fazer a transição. O que foi mais difícil foram os dias depois de eu ter feito a transição [risos]. Eu passei por um período muito lento em que eu tinha uma enorme dificuldade em executar as tarefas a que me propunha. Eu trabalhava direto, mas estava infeliz por estar dirigindo coisas que não tinham nada a ver com o que eu queria fazer. Criativamente eu estava muitíssimo insatisfeito. E foram oito anos me sentindo assim. Foi o período mais penoso da minha vida, profissionalmente falando.
Até que veio Dogtown & Z-boys...
Exatamente. E isso mudou tudo. 1999 foi o ano da virada [risos]. Foi quando começamos a fazer o filme que ia trazer uma transformação incrível na minha vida.
"Eu sou um skatista de coração, como também sou surfista de coração. Isso faz parte da minha identidade. É isso que eu sou"
Hoje você se vê mais como um skatista que ama filmes ou um cineasta que ama skate?
Na verdade, não me vejo de nenhum dos dois jeitos. Eu sou um skatista de coração, como também sou surfista de coração. Isso faz parte da minha identidade. É isso que eu sou. Eu faço os filmes que eu gostaria de assistir. Eu não dirijo filmes para sobreviver e pretendo manter isso desse jeito. Não estou interessado em dirigir filmes só por dirigir. Se eu faço um filme, faço para me orgulhar dele depois. Essa é minha vida.
Veja abaixo o trailer de Bones Brigade: An Autobiography
As datas oficiais de lançamento do filme no Brasil ainda não estão confirmadas, mas Stacy Peralta estará no Brasil na segunda feira, dia 29 para uma premiere no MIS em São Paulo, só para convidados.