Solado antropológico

por Marília Kodic

Edson Soares fez um TCC que se tornou o primeiro documentário brasileiro sobre cultura sneaker

Edson Soares chegou ao correio 15 min antes de a agência fechar e despachou seu envelope com o dinheiro da inscrição emprestado de um amigo. Ainda assim, o jornalista recém-formado mal imaginava que seu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso), um documentário, seria escolhido para passar na 32a Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Sneakers – Entrando de sola na cultura urbana procura mostrar a importância que o design tem na vida das pessoas por meio da busca pelo exclusivo e da necessidade de afirmação de uma identidade, como você confere na conversa que Trip teve com Edson.

Quando e como surgiu a idéia de fazer o documentário e qual o viés que você queria dar para ele?
A idéia surgiu a partir de experiências pessoais misturadas a uma necessidade básica: concluir a faculdade. Eu precisava ter uma idéia para o TCC. Eu sempre trabalhei com internet, nunca tinha feito vídeo na vida e o jornalismo da USP sempre teve uma vocação mais para texto. Por isso mesmo escolhi o documentário como formato de trabalho. Gosto do desconhecido. Como eu queria uma parada visual achei que falar de tênis seria ideal. Não tinha idéia de roteiro, não tinha idéia de nada. Mas comecei a conversar com algumas pessoas do universo sneaker e a correr atrás de bibliografia - livros, filmes. E foi assim que a coisa foi tomando rumo. Foi botando a mão na massa que a idéia ganhou corpo. Nao teve muito tempo para pré-produção. O que fica nítido se você comparar a primeira entrevista com alguma outra realizada no meio das gravações. Com o passar do tempo fui me interando e contextualizando as informações colhidas nas pesquisas ou nas entrevistas. O roteiro só aconteceu na hora da edição mesmo.


Batalha de Sneakers - trecho do documentário


Qual a sua relação com os sneakers?
Eu não sou sneakerhead. Tenho sim uma relação sentimental com alguns modelos. Amo meu Puma Clyde branco hi-top, que tá fodido de velho mas carrega muitas histórias, mas não sou do tipo que fica acompanhando os lançamentos ou colecionando. Até por que é algo bem caro para os padrões nacionais. Na França ou EUA, qualquer jovem que faz bico no verão pode comprar vários pares. Aqui no Brasil você tem que parcelar e, nesse caso, eu prefiro nem comprar. Mas super entendo o cara que tem uma relação com o basquete, ou com o skate, ou com determinado tipo de música, e que por isso tem afinidade por certos modelos. Isso faz parte da identidade dele. Mas eu me ligo mais na estética e nas histórias pessoais que o tênis vai assimilando conforme é usado.

Se formou na faculdade? Tirou que nota?
Me formei. Tirei 10!

Trailer do documentário Sneakers - entrando de sola na cultura urbana


O que mais te surpreendeu durante a produção do documentário?
Acredito que o mais bacana no filme não são passagens específicas, e nem os tênis em si. Pode parecer punheta intelectual mas o legal para mim é tentar enxergar o filme sob um óptica antropológica, na qual o sneaker nada mais é que um simples objeto a encarnar diversos anseios comuns à época em que vivemos, como por exemplo, a busca pelo exclusivo, a necessidade de afirmação de uma identidade, a importância que o design tem hoje na vida das pessoas etc. São características presentes em diversas outras áreas de consumo e até mesmo na forma como as pessoas se relacionam. Sem falar na rapidez com que a informação viaja pela internet, elemento fundamental na compreensão do fenômeno sneaker. O mais legal é entender o porquê e não simplesmente que "sneaker" simboliza um tênis um pouco mais difícil de se encontrar.

Ver um cara como o Kiko Goifman elogiando seu trabalho é foda. Sem falar na ajuda que tive de diversos amigos, e até de desconhecidos. Este é um filme feito sem dinheiro. A única coisa que me frustrou foi não ter o apoio de empresas do ramo. Eu cheguei a escrever um projetinho, coloquei debaixo do braço e saí para pedir financiamento, afinal os equipamentos da USP estão meio ultrapassados. Mas não rolou o apoio. É triste. Fiz com o que tinha mesmo. Deve ser um dos filmes mais baratos da Mostra. Mas na real, agora até me orgulho do filme ter alguns defeitos técnicos.

Como rolou o convite pra Mostra de São Paulo? Tem chances do filme passar em outras mostras?
Eu submeti o filme para análise e o time da Mostra me respondeu falando que gostariam de exibi-lo. É muito legal saber que seu filme vai ser exibido no cinema. Se vai passar em outro festival eu não sei ainda. Quando me inscrevi para a Mostra de São Paulo não acreditava que íam me chamar, então acho que talvez role outro festival sim, vai saber. Estou trabalhando com hipótese de lançar um DVD para ser distribuido gratuitamente. Estamos conversando com potenciais patrocinadores. Tomara que role!

Trechos que ficaram de fora da edição final do documentário

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