Seremos todos estranhos?

por Luiz Alberto Mendes

DESCANSO

 

Estranho. É como me sinto; estranho. Estranho a todo mundo, inclusive aos que me são mais próximos. Continuo como desde quando nasci. Estranho e só. Cada vez mais só. Continuo sem saber como me relacionar com os outros como desde que consigo me pensar. Julguei, aprenderia automaticamente. Convivendo o processo seria natural. O problema é que não há descanso para viver.

Às vezes ainda me engano. Talvez exista algo que transcenda e olhe por mim. Fico acreditando nisso e me permito descansar. Na verdade devia aperfeiçoar, estudar e dar tudo de mim na única coisa que jamais me negou fogo. A leitura e a escrita. A questão é que não posso desistir dos outros. Acabariam meus motivos de viver. Às vezes me vejo nessa contingência.

Paul Newman afirma que sua droga preferida é a invenção. Sem dúvida é embriagante criar. De deixar abestalhado. Quando escrevo algo que considero interessante, o prazer é inenarrável. Quando vejo uma grande criação: um grande livro (estou lendo “Vida de Escritor” de Gay Talese); uma bela poesia (“Tabacaria” de Fernando Pessoa); um enorme quadro (“Guernica” de Picasso), fico emocionado. Penso no prazer, na satisfação de viver que encontrou o artista ao concluir. Imagino que a sensação deva ser de se sentir capaz. O que mais sentimos são nossos limites, incapacidades e impotências. Então, sentir valor em si é deleite, é descanso e folga de viver.

Olho pessoas que me cercam. Eu lhes parecia tão íntimo e agora sou estranho. Estive estudando-as e conheço alguns de seus motivos. Elas não me são estranhas. Eu as amo silenciosamente. Mas sei, sinto, sou estranho para elas. Não sabem como se relacionar comigo e eu não consigo ir muito mais longe.

Entrei na vida das pessoas inesperadamente. O impacto, a princípio, foi assimilado por conta da novidade. Possuo alguma cultura, tenho certa originalidade e não é tão difícil me querer bem. Mas aos poucos vão fazendo como a ostra: envolvem-me em uma secreção e me isolam. Viro jóia. Vou sendo alijado do processo existencial, quase que naturalmente. A vida delas não me compota. 

As pessoas como que nos capturam, classificam e prendem com alfinete num quadro. Sartre afirmava que os outros nos transformam em objeto. Já fui classificado e processado. Só que continuo estranho. Não encaixo; a configuração é estranha. Ou será que somos todos estranhos?

A vida dentro de nós é muito maior que a vida ao redor. O tumulto que nos cerca não é nem sombra do caos que trazemos por dentro. Grande demais para que carreguemos sozinhos e conviver seja essa experiência de compartilhar. À vida de fora, basta fechar os olhos ou esconder para abstraí-la. A de dentro, fechar o que; abstrair onde?

Queria descansar, mas como se para ser inteiro necessito estar só? Os outros não comportam, não tenho raízes, cai de pára-quedas no mundo.

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Luiz Mendes

08/12/2011.  

           

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