Semi-poesia acerca da comunidade

por Luiz Alberto Mendes

Comunidade

 

Aqui no bairro o principal é a família. Subindo de minha casa para frente, cada uma das casas da rua tem mais de cinco crianças.

Os filhos são a riqueza dos pobres.

As pessoas em condições de vida melhor (e ninguém tem culpa disso) e, portanto de entendimento mais abrangente do mundo e da vida, às vezes, não querem compreender.

Procuramos racionalizar a questão: se ter muitos filhos é motivo da miséria das famílias, como “riquezas”?

É o caso do povo da rua. Eles bebem. E bebem até desmaiarem de tão alcoolizados.

Diríamos, raciocinando linearmente, que se deixasse de beber, mudaria de vida.

Mas estamos insensíveis para perceber que quem vive nas ruas, sujeito à fome, frio, humilhações extremas, depredações e até ser queimado vivo por algum bando de boys vândalos, precisa estar bêbado o maior tempo possível para poder suportar.

Não há como suportar conscientemente.

A riqueza que falamos, é que nas crianças os pais, violentados pela dureza de suas vidas, reencontram suas humanidades.

A delicadeza, ternura, carinho, afeto, amor, desprendimento e a força para levantar antes de clarear para a luta de mais um dia.

Não tendo dinheiro ou posses para substituir todas essas necessidades da sensibilidade humana por compras no shopping ou especular sobre o novo carro do ano, então fazem, amam e criam.

Cada uma dessas frágeis casinhas tornou-se lar à custa de muito suor. Foram anos, décadas até, de muita economia e sacrifício para construir.

Cada tijolo tem uma história pra contar.

Assim como o dono do carro novo tem história de muitos carros velhos para contar.

Nessas casas sem reboco, unidos a seus muitos filhos às vezes em uma cama única, essa gente, por incrível pareça, consegue criar momentos de imensa alegria e construir sonhos de felicidades.

Então o espaço é preservado, o respeito mútuo é observado, as crianças são protegidas, as mulheres, principalmente enquanto mães, são ouvidas, os homens são amigos e solidariedade não é uma palavra oca nem vã.

Todos têm tudo o que possuem a perder.

E quando todos têm muito a perder, é o momento histórico e mágico em que as pessoas se percebem comunidade.

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Luiz Mendes

04/09/2010.

 

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