Motivos
Constantemente sou obrigado a responder algumas perguntas bastante recorrentes. A primeira delas é porque eu dei certo (eles acham que dei certo; eu ainda me vejo em processo) e os outros homens que saem dos presídios, na razão de 75% (maioria?), voltam a delinquir. É quase como a nova criminologia encara o crime a nível social, invertendo a questão: dadas as condições sociais opressivas e injustas, por que o homem comum não se criminaliza também? Pensam que em equacionando esta questão, encontrarão resposta e consequente solução para a delinquência social. Quer dizer; em vez de procurarem saber porque os demais 75% cairam novamente nessa armadilha que é o crime, querem saber de mim porque não voltei a cair. Não há uma resposta direta. Não foi por causa disso ou daquilo; mas foi por conta disso e daquilo e muito mais. Vou tentar enumerar:
1) Havia uma vontade que, de tanto afiá-la na forja do tempo, se tornou a espada imperiosa que defendia minha vida.
2) Li, estudei e aprendi o quanto pude por mais de 30 anos. Continuo lendo muito hoje; leio e assisto jornais todos os dias também. A cultura, os livros e a educação me salvaram ensinando valores pessoais, interpessoais e morais até então desconhecidos. Paulo Freire dizia que “na medida que o ser humano apreende os códigos de comunicação da humanidade, faz uma nova leitura do mundo.” Foi o que se deu comigo. Construí uma auto-crítica e se não tenho nenhuma ilusão quanto à perfeição, decidi ser o mais justo que puder.
3) Tenho dois filhos dependendo de minha atuação na vida. Há um ditado Iorubá que diz que “os filhos caminham sobre a honra dos pais”; luto muito para dar a eles um solo onde possam caminhar firmes. No momento, o mais velho matriculou-se na faculdade; e o mais novo concluiu o curso fundamental. Ambos são adolescentes tranquilos, não lhes falta nada de essencial e eles fluem em paz a vida deles.
4) Meus poucos mas extremamente importantes amigos. São eles que me dão base e consideração para seguir em frente desde a prisão. Meus primeiros amigos eram presos; grandes amigos, quase todos mortos, a quem devo quase todo conhecimento e determinação que possuo. Tenho alguns amigos que estão comigo desde o começo; devo quase tudo a eles. Eu lhes serei eternamente grato.
5) Do nada construí uma profissão e um meio de vida. Ao fim da pena tornei-me escritor e 2 anos antes de sair já tinha meu primeiro livro publicado e coluna na Revista Trip. São 12 anos de coluna, cinco livros públicados (publiquei como biógrafo, romancista, contista, cronista, dramaturgo –tenho duas peças- e poeta) e três a publicar.
6) Durante toda vida invejei as pessoas que possuíam algum tipo de arte. Olhava-os pensando que mesmo que tudo acabasse, eles ainda teriam a arte para dar sentido à suas vidas. Quando percebi que sabia escrever de um jeito que as pessoas admiravam; que conseguia conquistar, comover e até convencer pessoas, foi emocionante. Mesma coisa aconteceu quando comecei a dar aulas e constatei que conseguia fazer-me entender e que os alunos aprendiam de fato o que eu ensinava. O sentido de utilidade enriqueceu e deu muito mais sentido à minha vida. Fiquei tão otimista que até pensei que pudesse até vir a ser um escritor…
7) A imensa satisfação de poder andar, correr, viajar e viver sem ter que dar satisfações a ninguém, sem pedir licença para ninguém.
8) Logo depois que sai da prisão construí uma casa para mim. Pequena e inteiramente adaptada a minhas necessidades. Lá tenho meus CDs; meus DVDs; shows, filmes, documentários… Meus aparelhos (TV, Home, aparelho de som, entre outros) e meu equipamento de escritor (computadores, cadernos de anotações, pen drives, HD externo…) para viver a minha vida, aquela que escolho.
Poderia enumerar bem mais motivações, mas eu diria que esses são alguns do principais motivos e contensores para que eu não cometa mais tolices e perca a motivação de lutar e ir vencendo ou perdendo, aprendendo a jogar, como sempre…
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Luiz Mendes
26/12/2013.