Reflexões sobre o Cotidiano

por Luiz Alberto Mendes

 

Crônica

 

Acordei. Vontade nenhuma de abri os olhos. A dor. Vibrante, pulsante. Havia uma fogueira em meu abdome. A qualquer excedida, estou condenado a viver minhas tripas virando dos avessos. E eu excedera ontem. Deliciei-me com um pedaço generoso de “leitão à pururuca”, prato típico aqui de Embú das Artes. Não é sempre que posso. Xinguei até a ultima das gerações dos policiais que chutaram minha barriga e causaram deformação em meu intestino. Acumulo gazes e isso dói horrores. Somente quando corro na rua é que sinto algum alívio.

Sai para comprar pão no supermercado. Ao virar a esquina observo um garotinho ao lado da mãe. Cumprimentei. O menininho presenteou-me com um sorriso tão gostoso que deu vergonha de meu mal humor. As mães estavam levando seus filhos pequenos à escola. Como a mulher é responsável, não é mesmo? À frente, o asfalto estava repleto de delicadas flores de lilás. Ergui os olhos e surpreendi um velho e alto Ipê com sua copa tomada por flores, algumas ainda flutuando levemente pelo ar. Há 8 anos assisto o show daquela árvore nessa época do ano. Depois a árvore como que se comprime em galhos velhos e ressecados; parece que vai morrer. Chego a sentir dó. Ela sempre me engana. Esta mais viva do quem a observa. Economiza energias para florir.

As pessoas subiam a rua ainda meio que dormindo. Visivelmente contrariadas por serem obrigadas a abandonar a cama quente para sacudir no busão superlotado. De repente uma cadela Rothweiller escapa do portão de uma casa. Um menino vem atrás. E veio direto para mim: ela me conhece desde pequena. Linda; cara preta, pelo brilhante e energia aos borbotões. Ainda é filhote (embora enorme), brincalhona e muito dócil. Em seu ímpeto ela se joga em minha direção e quase trepa em mim com as quatro patas. Recebo-a abraçando seu corpo, tentando equilibrar-me. Não dá para segurar. É muita potência. Ela pula para a frente e o povo que vem atrás se assusta. Agarrei em seu cangote para controlar a situação. Ela é bem mais forte que eu. Mas parou, querendo me lamber. Acariciei, dominei a cena e fui levando-a para o portão de onde escapara. Antes de obrigá-la a descer as escadas, agarrei e procurei curtir o animal. A cachorra deitou-se no chão de barriga para cima e ai foi uma alegria só. Coloquei, ela e o garoto, filho de uma conhecida, para dentro do quintal e fechei o portão.

Sai pensando que não é preciso muito para ser feliz instantaneamente. A dor de barriga passara e eu estava me sentindo muito bem. Não consegui, na hora, atinar por que. Quando cheguei aqui em casa com os pães, sentei para escrever e isso é o que saiu.

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Luiz Mendes

20/11/2012.

  

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