Quilhas, pra que te quero?

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por Caio Ferretti
Trip #193

Qual será a grande surpresa no mundo do surf nos próximos anos? Um australiano criou pranchas sem quilha

Qual será a grande surpresa no mundo do surf nos próximos anos? Uma boa aposta são as modernas pranchas sem quilha do australiano Derek Hynd, que mudam a forma de se relacionar com as ondas

em agachado e com os pés colocados praticamente juntos no centro da prancha, Derek Hynd rasga a onda numa velocidade inacreditável. Flutua meio sem estabilidade, como se fosse perder o controle a qualquer momento. Mas não perde. Muito pelo contrário, começa a dar giros de 360o enquanto corta uma poderosa onda de Jeffreys Bay, na África do Sul. Desliza de lado, de frente e de costas como se o atrito com a água fosse coisa do passado. E, para o surf de Derek, talvez o atrito seja mesmo uma ultrapassada lei da física.

Os vídeos do australiano Derek surfando com pranchas sem quilhas caíram na internet e logo despertaram a curiosidade entre os surfistas. Como era possível tamanha liberdade na hora de deslizar em uma onda? E não se tratava das pranchas alaia, as clássicas de madeira usadas nos primórdios do surf havaiano e resgatadas nos últimos anos. O caso de Derek é outro. As suas são de fibra de vidro com canaletas na parte de baixo, criação dele mesmo. “Elas ganham uma velocidade incrível livres do atrito causado pelas quilhas. É um sentimento insano de perda de gravidade”, conta. “Você pode surfar de costas, de lado, dar 360o dentro de um tubo, deslizar no topo da onda... É difícil explicar o sentimento. Abandonar um surf com quilhas e nem sequer pensar em voltar é sinal de que as coisas estão indo muito bem. É uma evolução do surf.”

Em 2005 ele resolveu que era hora de tirar as quilhas de suas pranchas e começar a surfar de uma maneira diferente. “Eu queria aprender tudo de novo. Queria o sentimento de desenvolver uma nova disciplina passo a passo.” Desde então nunca mais usou nada na parte de baixo das pranchas. Improvisou ranhuras onde antes ficavam as aposentadas quilhas – algo sutil para ajudar no equilíbrio, mas nada que o privasse do sentimento de liberdade que procurava. “Talvez a verdadeira graça desse estilo de surf seja controlar a instabilidade, as mudanças radicais de direção enquanto se está realmente rápido. Você tem que estar no controle de estar fora de controle!”

Uma quilha o cegou

Em 1980, as quilhas fizeram parte de um incomum – e trágico – episódio de sua história. Derek estava com 23 anos e era um dos principais surfistas profissionais da época. Corria o circuito mundial da elite do surf e já havia alcançado bons resultados entre os top 10. Até que durante uma etapa em Durban, África do Sul, ele caiu em uma onda e a quilha de sua prancha o acertou no rosto. Foi a última vez que ele enxergou com seu olho esquerdo. Mesmo assim Derek ainda correu o circuito do ano seguinte e conseguiu terminar a temporada como o sétimo melhor surfista do mundo. Mas parou por aí, decidiu que deveria deixar os campeonatos.

“É um sentimento insano de perda de gravidade”, diz Derek sobre as pranchas sem quilhas

O acidente nada tem a ver com sua decisão de se livrar das quilhas. Pelo menos não que ele diga. E parece ser verdade. Derek é do tipo que está sempre em busca de novidades, seria difícil imaginar que ele seguiria com o mesmo estilo de surf para o resto da vida. “Quando comecei a surfar na Austrália, na década de 70, havia mudanças de design das pranchas a cada seis meses. Sempre tínhamos novas formas de aprender a surfar. Acho que isso seguiu comigo.” Movido pela inovação, Derek buscou no passado longínquo do surf, quando as quilhas ainda não existiam, parte da motivação para fazer as pranchas que podem ganhar espaço no futuro. E ele já tem uma opinião sobre por que sua criação começa a ganhar notoriedade. “Qualquer coisa que proporcione diversão de verdade neste mundo de comercialismo intenso vai fazer sucesso no futuro. Surfar livre de atrito te proporciona um novo sentimento de liberdade e diversão, é uma opção que se abriu.”

Mas se equilibrar em cima de uma dessas pranchas para surfar ondas como as de J-Bay, onde vive Derek, não é a tarefa mais tranquila que existe. Nesses últimos cinco anos em que desenvolve pranchas sem quilha, ele já fez cerca de dez designs diferentes para se adequar às variações do mar. “Alguns designs são bons para qualquer tamanho. De uma merreca de 1 pé até 10 pés em J-Bay. Foram cinco anos de pura experimentação – e quero seguir por caminhos futuros sem saber quais serão os resultados.” Mas qual é a parte mais difícil nesse tipo de surf? Derek responde. “É aprender a melhorar de pouco em pouco. É como o snowboard comparado ao esqui. O corpo precisa de um novo posicionamento, outro centro de gravidade.”

Surf de cinema

Os vídeos de Derek em J-Bay que pararam nos sites de surf do mundo inteiro são parte do filme A deeper shade of blue, de Jack McCoy, previsto para ser lançado no início de 2011. O vazamento das imagens não agradou em nada a Derek, mas ele não perdeu a expectativa com o filme. “Ele cobre o passado e o futuro do surf. O material que Jack tem é algo que o resto do mundo do surf nem faz ideia que exista.” O filme é dividido em 11 capítulos, cada um voltado para um momento do surf – e um deles dedicado especialmente ao estilo sem quilha.

“O corpo precisa de um novo posicionamento, outro centro de gravidade.”

Um tipo de prancha que ele não pensa em produzir em larga escala. Pelo contrário, Derek fica bravo quando fala sobre um famoso shaper australiano, cujo nome prefere não revelar, que fez acordo com uma grande indústria de shapes na Ásia para produzir as pranchas alaia, tradicionalmente de madeira, agora com fibra de vidro. “Ele vendeu sua alma, é uma situação lamentável.” Derek não. Ele quer apenas seguir aperfeiçoando seus shapes para nunca mais ter que se aproximar de uma quilha. E, quem sabe, ter sua parcela de responsabilidade por um estilo que pode representar o futuro do surf.

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