Que Cheiro é esse?

por Giuliano Cedroni

A Trip foi ao Festival de Cinema do Rio para conferir a pré-estréia do filme do ano: Cheiro do Ralo, inspirado na obra de Lourenço Mutarelli

Fato

Ontem rolou a pré-estréia do filme brasileiro mais bacana de 2006: O Cheiro do Ralo, da obra de Lourenço Mutarelli.

Foi no Festival do Rio, com duas sessões lotadas, misturando público e convidados [afinal, convidado em festival não conta como público, pois são sempre os mesmos profissionais e amadores do ramo repletos de pré-conceitos].

Em diversos momentos não foi possível ouvir o som da fita no Cine Palácio, downtown Rio. Eram os aplausos da platéia, que parecia assistir a um concerto de jazz em que solos de diferentes artistas pediam por um reconhecimento imediato. Coisa rara no cinacional...

Atuação

Lourenço é o papel da vida de Selton Mello, que me perdoe Guel Arraes e Luiz Fernando Carvalho... Selton passeia pelo personagem, domina sua personalidade, brinca com as emoções e amadurece junto dele. Selton nos faz querer ser tão filho da puta quanto Lourenço, que no filme é bastante filho da puta.

Mérito

O encontro de vários jovens talentos fez do “Cheiro” um projeto de sucesso diferente.

Repito: jovens; não há ali nenhum globeleza mascarado do cinema-esquemão, aquele que gasta milhões e entrega migalhas.

A começar pelo fino faro do diretor Heitor Dhalia, o mesmo do longa Nina, e os braços independentes dos produtores executivos Matias Mariani, Marcelo Doria e Rodrigo Teixeira, que estréiam no mercado com um dourado pé direito.

E se Selton é a alma perfumada desse estranho “Cheiro”, os tímpanos da obra ficam a cargo de Apollo, que surpreende com uma trilha nervosa e ao mesmo tempo delicada.

O olhar de Zé Bob entrega o recado na fotografia; as locações de uma São Paulo originalíssima são frutos de Guta Carvalho; e o figurino de bom gosto vem das mãos de Patrícia Zuffa e Tica Bertani.

Do bom senso de “Marçal-O-Invasor-Aquino” saiu a bela adaptação do roteiro, mas é de Lourenço-HQ-Mutarelli o crédito-mor desse pequeno-grande filme. Além de sua excelente atuação como um segurança cor-de-vinho, é dele o livro homônimo lançado em 2002 pela pequena editora Devir com uma dedicatória “ao amigo Ferréz”.

E é o texto, neste caso, com seus labirintos cerebrais, com sua ironia afiada e sarcasmo sadio, com o humor negro sem culpa que todos precisamos para nossas vidas, o grande responsável por toda sustentação desse corpo nada ordinário que nasce na cinematografia brasileira.

É de Mutarelli o coração que pulsa do Ralo.

Aposta

O Cheiro do Ralo, de saída, vai faturar os dois festivais mais importantes do país; o Festival do Rio [setembro] e a Mostra de Cinema de São Paulo [outubro].

E não se espante se, além de melhor filme nacional, ele levar a estatueta disputada também pelas fitas internacionais.

Saideira

O Cheiro do Ralo é o primeiro filme argentino feito no Brasil, se é que você me entende. E isso é um grande elogio.

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