Projeto de futuro

Luiz Mendes: ”Cada ano dessa nova década vai valer por quase todos os anos das décadas anteriores”

Fazia a revisão do livro autobiográfico quando deparei com a data da decisão pessoal que transformou a minha vida. Era o início do milênio, março do ano 2000. Depois de muito pensar e avaliar, decidi que me tornaria escritor. Não parei mais; estava apaixonado. Continuo apaixonado; nunca gostei tanto de nada nem de ninguém. Sacrifiquei todas as paixões possíveis em nome desse amor. E lá se vão dez anos de fidelidade quase que canina. Está dando certo? A prática nos ensina a avaliar pelos resultados.

Em 2001 lancei o livro Memórias de um sobrevivente pela Companhia das Letras. Depois de várias edições (cerca de 15 mil livros vendidos), no fim de 2009 saiu uma nova versão em pocket. Tesão e prazer foi publicado em 2004, quando saí da prisão. Esse livro foi traduzido para o alfabeto cirílico e publicado na Rússia. Às cegas foi editado em 2005 também pela Companhia das Letras. Foi finalista do prêmio Jabuti de 2006. Não ganhei o prêmio, mas ganhei muito mais: reconhecimento. Recentemente assinei contrato com o Selo Povo para publicar o livro de contos Cela forte. Acabei de montar um livro com 170 poemas e estou em busca de uma editora.

Minha peça A passagem está em fase de montagem, com João Signorelli como ator, Fernando Bonassi como diretor e Guto Lacaz na arte. Tenho outra peça, Dois mundos, que já me disseram ter mais a ver com roteiro de cinema. Nesta edição, completo oito anos de coluna na Trip. Por anos, tive uma coluna num site, que virou um blog. Publico textos quase diariamente. Criei uma oficina de leitura e texto, que já foi montada 23 vezes em penitenciárias, associações de bairros e empresas.

Idealizei e depois participei como consultor do guia Dicas para a Secretaria dos Assuntos Penitenciários. Mais de 200 mil exemplares foram distribuídos para aqueles que saíram das prisões em São Paulo. O guia orienta o egresso a respeito de documentação, empregos e canais de apoio que ele pode procurar. Tenho aqui dezenas de diplomas de palestras que foram proferidas em universidades, escolas, empresas e prisões. Estive em diversos programas televisivos de entrevistas ou debates no eixo Rio-São Paulo. Em meu PC, tenho mais cinco livros prontos e inéditos que aguardam espaço para publicação. Estou com outro livro sobre a periferia da grande cidade em fase de finalização.

NOVA IDENTIDADE

Vivi e sustentei meus filhos e agregados com o que escrevi e falei nesses últimos dez anos. Há tempos já me apresentam como escritor e não mais como ex-presidiário. Criei uma identidade que vai além do fato de ter sido preso.

Estou com 58 anos. Os próximos dez anos serão cruciais para todos nós, assim como foram os dez últimos. Permaneço seguro do que quero – e quero ser escritor. Aprendi, aprendo e escrevo como nunca, embora ainda esteja aquém da palavra exata que expresse o que penso. A dor me ensinou a ter compaixão e a compaixão me levou a querer amar. Particularmente aqueles mais infelizes, apagados e abandonados pelos cantos da grande metrópole. Sei tolerar e aprendi a ter um pouco mais de paciência. Entro na terceira idade na próxima década, embora em momento algum eu tenha me sentido velho. Nunca estive tão bem quanto agora.

Não sei quase nada, não tenho pretensões nem posso aconselhar ninguém porque mal dou conta de viver eu mesmo. Mas acho que por isso mesmo a próxima década promete. Estou mais humilde, versátil, sei que tenho muito a aprender. Vou morrer frustrado se não puder oferecer o melhor de mim. Preciso de mais esse tempo para cooperar mais, criar e finalmente justificar o motivo de minha existência. Serão anos cheios de inovações, descobertas e avanços espirituais. Cada ano dessa nova década vai valer por quase todos os anos das décadas anteriores. Tenho grandes esperanças e aguardo ansiosamente.

*Luiz Alberto Mendes, 58, é autor de Memórias de um sobrevivente, sobre os 31 anos e dez meses que passou na prisão. Seu e-mail é lmendesjunior@gmail.com

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