Fernando da Silva, ou Profeta Verde, é advogado, um dos organizadores da Marcha da Maconha em São Paulo e defensor de uma certa ”antropofagia” sobre as drogas no Brasil
No último dia 14/05, o advogado Fernando da Silva estava vestindo o mesmo traje que usa em ocasiões especiais: uma túnica verde que vai até os pés, um par de chinelos e meia (às vezes, também empunha um cajado). Quando se adorna assim, Fernando se torna o Profeta Verde, personagem criado há cerca de cinco anos para levar a palavra da descriminalização das drogas pelo Brasil.
Formado em Direito pela Universidade de São Paulo, o caricato Profeta é um dos fundadores do EDUannabis (Escritório de Defesa do Usuário de Cannabis), grupo de estudos criado para informar a população sobre como como a legislação age em casos de prisão porte de maconha, cultivo para consumo próprio e usos medicinais e religiosos, por exemplo. Além disso, Fernando (ou o Profeta) é um dos organizadores da Marcha da Maconha de São Paulo, uma das maiores do Brasil.
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"Acredito em várias saídas para a legalização da maconha e outras drogas - não só pelo empreendedorismo privado, distribuição do Estado e uso em espaços delimitados, como na Holanda - mas em uma mescla destes modelos", defendeu Fernando durante o Festival Path. Essa miscelânea de maneiras para se chegar à legalização da maconha no Brasil foi batizada como "Antropofagia da Legalização", alcunha sugerida pelo próprio Profeta.
O que é "antropofagia da legalização" da maconha no Brasil? Minha inspiração é o Oswald de Andrade, meu companheiro da universidade de São Francisco na Universidade de São Paulo (USP) (risos). Essa galera do Modernismo, lá da década de 20, defendia que deveríamos pegar elementos que chegam de fora e retirar o que há de mais 'bonito', adaptar ao nosso jeito. É essencial aplicar essa visão sobre a maconha aqui no Brasil. Nosso país tem que comer e beber o que existe de melhor em modelos internacionais, uma vez que a legalização por aqui vai demorar.
Por exemplo, deveríamos conceder anistia à nossa população carcerária que foi presa por tráfico de drogas. Além disso, aplicar educação sobre drogas em escolas e política de redução [como feito com o cigarro]. Essa coleta em modelos internacionais abre um espaço para lançarmos uma proposta criativa e interessante baseado no que é oferecido no mundo inteiro. É fazer o Tio Sam curtir nosso samba enquanto nós curtimos o brunch deles.
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Mas como esses anistiados seriam recolocados em sociedade? Penso, por exemplo, que um empresário interessado em explorar a venda de maconha deveria cumprir uma cota de funcionários egressos do sistema prisional, preenchendo este espaço, especialmente, com aqueles encarcerados por tráfico, porte ou qualquer outro crime. Isso é uma chance de ajudar pessoas que acabam com a própria vida e não conseguem emprego após receberem a mácula de "presidiário". Quem vendeu um produto a um consumidor não fez mal a ninguém, mas acabou com a própria vida e com o potencial para serem competentes e bons no que fazem. Poderíamos ter bons funcionários.
E qual o papel do estado? O estado é um intermediário, mas acho que ele funciona como reflexo de uma demanda social. Tem muita coisa que vem de cima pra baixo, mas no caso da maconha e outras drogas, o debate virá do andar de baixo para cima. Quanto mais palestras, marchas da maconha, debates sociais e mobilizações se espalhando pelo país, maior a chance do Estado fazer o papel de mediador. E aí entra a vez do indivíduo de alimentar este Estado com boas ideias, já que governantes não farão nada por eles mesmos.
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Por que nossa legalização vai demorar? Nosso país é moralista. Há uma fumaça conservadora na mente das pessoas que vem das novelas e das revistas. É difícil ter opinião pública favorável com as drogas. Muitos artistas, juízes têm receio em afirmar publicamente que usam maconha. O debate sobre descriminação no STF, ainda mais com essa crise política, talvez fique pra 2018. Levaremos, ao menos, uns cinco anos para descriminar, e mais um tanto ainda para legalizar.