o ’escritor que está preso’ reclama da falta de canetas em seu mundo
Fred**,Eu podia não me importar em não conhecê-lo. Afinal, estou recebendo, estou sendo publicado, que mais posso querer? O problema é que gosto de pessoas, quero a amizade delas. Preciso gostar e ser gostado, é isso que me dá sensibilidade para escrever, para me emocionar e ? apesar de meus momentos alegres ? ter coragem para enfrentar angústias e tristezas sem me dissolver em neuroses e psicopatias. Não estou cumprindo 29 anos. Aliás, é uma falha da revista: faz um ano que tenho a coluna e sempre escrevem 29 anos... São trinta anos e alguns meses. Por favor, nem me faça a pergunta que todos fazem e estou cansado de tentar responder. Tenho advogado, é o Silvio, amigo meu, é competente, gosta de mim e está fazendo tudo que pode para me tirar. Para viver isso, foi preciso muito empenho. Claro, mesmo que não tivesse, teria que cumprir. Mas lutei para conservar e desenvolver a sensibilidade, estudei e li o tempo todo, leio e estudo até hoje, e do nada construí uma personalidade que, hoje, considero firme e segura. Embora sujeito às mesmas falhas e defeitos que todos, estou maduro, sei o que quero, e conheço, em linhas gerais, o motivo da minha existência. Amo e sou amado por uma grande mulher, tenho dois filhos pequenos com outra garota (com quem sou casado e que hoje, para mim, é mais uma filha). Sou quase feliz ? só preciso sair para ser feliz de fato. Leia o livroEstou diante de uma carreira literária. Nesse fim de ano, publico mais um ? que, aliás, me descola um pouco do assunto prisão e crime, que quero deixar para trás. Na Bienal do Livro no Rio, vou, segundo planos, lançar o Memórias II, que estou aqui trabalhando na reescritura e 3ª revisão. E tenho mais um escrito, Seqüestro, que preciso reescrever para o fim do ano que vem. Tenho uma infinidade de contos para juntar e fazer uns dois livros ou mais. Quanto aos textos para a revista, a partir de agora estou lhe enviando cinco textos de maior profundidade. São coisas que escrevi com muito amor e dedicação. Tentei colocar mais poética, mais questionamentos. Achei que estava na hora dos que me lêem aprofundarem-se um pouco mais. Vamos ver o resultado. Por favor, eu te peço, sistematize o envio dos e-mails dirigidos a mim. É importante, preciso repercutir. Tenho um conto aqui que pode ser uma crônica para a coluna. Daqui a alguns dias mando para sua apreciação.Boa impressãoJá escrevi um texto sobre eleições e foi publicado, é exatamente o que você me pediu. Olha, o Giuliano [Cedroni, ex-diretor de redação] veio aqui, conversamos bastante, ele poderá te dizer mais. Outra coisa: não coloque mais ?O prisioneiro...? ? eu não sou preso, apenas estou preso. ?O escritor que está preso? ficaria me-lhor. E, abaixo, por favor, escreva sobre o fato de eu ser autor de Memórias de um Sobrevivente, preciso vender meu livro. Você o leu? Procure ler, talvez goste. Ah! Já pedi umas canetas papermate ultrafinas para a Jadi [Stipp, produtora], por favor, providencie isso para mim, eu só escrevo com essas. Como escrevo o dia todo, se ficar calcando com as outras, a mão não agüenta. Não li essa matéria que você fez na Casa de Detenção [?Cadeira produtiva?, TRIP 73]. Mas, se é sobre os caras que ficaram de manequim, estava lá e vi. O Giuliano me falou muito bem de você, o que te categoriza para mim. Gosto dele, considero-o um amigo. Tentarei cravar minhas raízes, sem abalar galhos e derrubar as folhas. Será que vocês não têm uma impressora matricial, mesmo antiga, para me doar? Ajudaria demais, inclusive para mandar meus textos para vocês. Estou com estes dois livros, tenho meu laptop lá no setor de educação para meu uso, precisava digitar e imprimir.Até logo, cara, foi um prazer conhecê-lo!Abraços, LuizP.S.: Eta fotografias feias essas minhas, hein?*Luiz A. Mendes, 50, autor de Memórias de um Sobrevivente (Companhia das Letras), está preso há 30 anos. Seu e-mail: mendes@revistatrip.com.br.**Fred Melo Paiva é diretor de redação da TRIP