Hoje eu amanhecei feliz. Não sei bem por que; não tenho motivos especiais para me sentir assim. Dizem que só pelo fato de estarmos vivos já é motivo para ser feliz. Claro, quando se tem uma vida de príncipe, podendo fazer o que quiser; estar onde e com quem quiser. Ainda assim, não sei. Estou tão acostumado à essa angustiazinha que me envolve todos os dias qual névoa fina que, se de repente ela desaparecer, vou sentir falta. Realmente não sei por que estou feliz. Tudo esta tão sem sentido... Chove lá fora e, se colocar a cara no quintal, vou me molhar. Faz um frio enorme, e nem para deitar na cama e assistir um filme tenho coragem. Preciso ficar aqui, andando de um lado para o outro pensando esse monte de abobrinhas, só porque estou feliz. O pior que não consigo fazer nada para melhorar. Mas porque estou feliz se tenho todos os motivos para me sentir de saco cheio com a vida? Ao mesmo tempo, tudo parece estar fluindo bem. Estou com saúde; a não ser aquela dorzinha básica no intestino de todas as madrugadas. Remeto-me aos policiais; foram eles que as causaram a chutes e socos. Motivo suficiente para entristecer, relembrar e novamente sofrer. Tem as dores de cabeça causadas por pauladas e canadas de ferro ministradas por guardas de presídio. Racharam meu crânio várias vezes; não posso cortar o cabelo careca: fica parecendo o mapa do inferno de cicatrizes. Além de saúde, estou tranquilo, seguro. Embora a correria que venho fazendo há 10 anos para sustentar os que dependem de mim. Zerar contas e nada dever é um sonho que nem sempre posso me dar ao luxo. Vivo do que falo e escrevo. Não é sempre que tem lugar para falar ou espaço para remeter meus textos e livros. Parece que me acomodei a essa vida atribulada, como quase todo mundo. De qualquer modo, estou com saúde e seguro, motivo suficiente para me sentir feliz. Acho que estou feliz porque há bastante pessoas lendo o que escrevo. Meu blog segue recebendo 5 mil acessos, em média, nos 10 dias que o texto permanece ativo no blog. Tenho textos com mais de 11 mil acessos. É pouco diante os acessos que recebem as celebridades. Tem pessoas que me acompanham a mais de 10 anos em minha coluna na Revista Trip. Estou com 5 livros publicados. Um deles finalista do Prêmio Jabuti, outro publicado na Russia e o ultimo, de poesias. Mas tenho outro livro que seria publicado este ano, por conta da Copa, ficou para o começo do ano que vem. Além de mais dois aqui prontos (dois romances), tenho propostas de editoras, mas preciso de distribuição. Tenho mais de 2 mil textos a maioria já publicados em revistas e jornais. São crônicas, contos e poesias; dá para montar vários livros. E estão aqui parados, mofando, esperando para virar livro. Acho que estou feliz por isso: por estar com saúde, tranquilo, seguro, estar sendo lido e ter muitos amigos. Estou com milhares de pessoas que me pediram para adicioná-las aos meus amigos no Facebook. Mas, meu telefone permanece mudo, meu e-mail é mais para tratos profissionais e eu pergunto: o Facebook satisfaz a alguém? Permaneço só em minha vida pessoal. Moro sozinho com meu cão. Até que ele é uma ótima companhia, mas não fala e não entende o que falo. Ninguém vai à minha casa, a não ser minha sobrinha. As pessoas procuram o escritor e não a mim, este ser de carne, osso e vísceras que tem carências como todo mundo. As pessoas acham que porque vivi uma vida dura, não tenho as mesmas necessidades que elas. Talvez eu seja mais carente de afetos, considerações e amizades que aqueles que não passaram pelo que passei. Devo estar feliz porque tenho saúde, estou seguro, tenho amigos e vivo em um país governado por líderes de esquerda, marxistas como eu. Mas foi constatado: não importa a direção, o homem de esquerda pode ser tão corrupto quanto ao homem de direita...
Puxa, procurei os motivos de estar sendo feliz; saúde, segurança, amizades, ideologia política no comando... Mas procurei tanto que consegui deixar escapar a felicidade por entre os dedos. Agora estou em meu estado normal; uma leve tristeza, a angustiazinha permanente e a ansiedade de sempre.
**
Luiz Mendes
06/06/2014.
