Ponta de Faca Afiada

por Luiz Alberto Mendes

Um candidato à presidência do Brasil deveria saber que não é assim por vontade pessoal dele que se pode mudar a constituição do país. Exige um exame demorado e cuidadoso, quorum quase máximo e dois turnos de votação em cada uma das Casas Legislativas. Principalmente quando se trata dos direitos da criança e do adolescente, que estão sob clausula de inviolabilidade constitucional.

Fóruns internacionais, como a UNICEF da ONU, condenam. Para eles, a redução da maioridade penal representa um retrocesso incalculável no atual estágio de defesa dos direitos da criança e do adolescente no país. Afirmam que a maneira como são tratadas as crianças e adolescente é indicador infalível do progresso civilizatório de um país. Lembrando que o Brasil ratificou a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança e do Adolescente.

A psicologia prova que a capacidade crítica e auto-crítica são formadas durante o período da adolescência. Os jovens não podem ser considerados totalmente responsáveis pelos seus atos, já que ainda não têm a capacidade crítica de julgar totalmente formada. É óbvio que existem aqueles que ultrapassam suas idades. Assim como existem os psicopatas, os doentes mentais (instituições para menores de idade estão cheias de pessoas doentes) e todo tipo de pessoa. Sim, há aqueles que mataram e até os que podem voltar a matar. É uma minoria insignificante em comparação aos índices de mortes causadas pelos habitantes das prisões. Ainda assim, mortes. Há muito escândalo quando os envolvidos em tragédias são menores de idade. Estive lá com os meninos fazendo Oficinas de Leitura e Escrita no ano passado. Tentava seduzi-los para a leitura e a escrita e constatei. Além desses mais amadurecidos e dos mais infantis, há uma média, como aqui na sociedade. São os meninos normais, ainda perdidos, sem rumo e vacilantes diante de sérias opções.

A cultura do crime que ali clandestinamente impera, coopta os garotos mais decididos, que não são a maioria. Os indecisos, que compõem a maioria, são massa de manobra dos mais espertos. Mas são esses, exatamente, que podem ter uma chance maior de uma vida normal e produtiva. Porque? Porque a maioria daqueles meninos são meninos mesmo; estão longe de serem maus e muito menos perversos. Cometeram erros graves, prejudicaram pessoas, mas continuam sendo garotos, desorientados e inseguros como um dia fomos todos nós.

Na verdade, o "menor" não é o "menor", esse sujeitinho ameaçador que é preciso evitar, prender ou matar. É um menino, às vezes crescido, enorme e forte como um touro, mas um garotão ainda como qualquer um de nossos filhos. Na mente, um turbilhão de idéias, nos corpos sarados, um tumulto de hormônios a pulular. Estive com eles em três encontros por Unidade em que eles estavam. Fiquei impressionado com a facilidade com que consegui dialogar com eles novamente. Passaram-se 45 anos de caminhada desde que sai de lá com 18 anos de idade e, de repente, eu ainda era um deles. Saia das Unidades chacoalhando a cabeça para conseguir me sintonizar novamente com a vida daqui de fora.

A humanidade não tem o direito de considerar qualquer ser humano como perdido e descartá-lo. É arrogância demais para usuário dos banheiros que somos. De verdade, não somos uma ilha, como queria o poeta. Estamos ligados uns ao destinos dos outros. E eles, por serem tão jovens, repositórios de futuros e donos de todos os destinos possíveis, estão menos perdidos ainda. Dá para enxergar claramente a ingenuidade, a inocência, a doçura e até a bondade do menino, por mais eles escondam debaixo da sola do pé. Sentimento é luxo. É dar mole para o azar.

A tensão que eles vivem nesses estabelecimentos ditos para menores de idade é equivalente ao que homens vivem nas prisões. É preciso estar sempre atento (rebeliões ocorrem; a vida corre riscos). É preciso enfrentar sempre que desafiado, evitar ocasionar acidentes, tomar cuidado com quem fala e o que fala. O choque pode invadir jogando bombas, disparando tiros de borracha, quebrando ossos e dando cacetadas em todo mundo.

Alguém pode perder a razão de repente e sair dando estiletadas ou pauladas sem ver em quem. Por fora estão os guardas que conseguem piorar mais ainda esse ambiente com a arrogância, prepotência e violência que os tratam. Imaginem o stress que isso pode causar em um garoto que comete seus primeiros erros, como quase todo mundo cometeu.

Não podemos permitir que questões cruciais como essas se transformem em uma guerra político/eleitoreira. É preciso enfrentá-las com equilíbrio e maturidade. Principalmente com a humanidade e compaixão que uma sociedade que se diz cristã deve se comportar. Afinal, como estou dizendo o tempo todo: são meninos, não podemos acabar com o futuro deles encerrando-os em uma prisão para que a cultura do crime os adote. Eles sairão um dia, não estaríamos criando monstros?

fechar