por Carlos Nader

Carta aberta ao síndico Luís Inácio Lula da Silva

Excelentíssimo Amigo Presidente da República:

Veja. Desde a edição passada, transformei minha coluna numa série de cartas abertas. Para figuras públicas. Se seguisse algum protocolo jornalístico, deveria ter começado com o senhor. Todo Boris Casoy faz isso. Todo Jô Soares faz isso. O senhor já deve ter percebido. Poder atrai poder.

Pena que a minha primeira carta tenha ido para o Sergio Mallandro. Veja, Presidente, tá ruim de eu me transformar num grande homem de mídia. Falta vocação. Por isso mesmo, não quero falar aqui das suas realizações políticas. O que me interessa é o seu estilo. Graças a ele, o excelentíssimo amigo que usei lá em cima é apenas uma expressão meio boba, mas não uma contradição em termos.

O senhor tem uma atitude verbal e corporal que deixa bem claro: não há incoerência nenhuma em demonstrar um carinho pedestre pelo líder máximo do país. O afeto sem cerimônia lubrifica nossas relações sociais. Poucos entenderam tão bem quanto o senhor essa característica da alma nacional, que eu li descrita com precisão numa entrevista com o documentarista João Moreira Salles. Ele disse, em outras palavras, que qualquer atividade que queira funcionar na sociedade brasileira tem que ser mediada por um afeto generoso. E não é isso mesmo?

Claro que há exceções e graus, mas o senhor sacou que essa é uma lei válida para toda pirâmide hierárquica do país, do porteiro ao morador da cobertura. E que não costuma nos bastar a cordialidade de telemarketing, a ternura customizada, o afeto afetado de certos países ricos que alguns de nós adoram macaquear.

As imagens luminosas da sua posse, ainda impressas em alta definição no hipocampo da nação, já irradiavam essa freqüência simbólica. O senhor estava, está, propondo uma mudança cultural profunda.

Não é nem bem uma mudança. É um reconhecimento, uma incorporação oficial dessa característica que, com outras mais reconhecidas, como a mobilidade social ou o escravismo social, a violência gratuita ou a alegria gratuita, é fundadora da nossa cultura. Presidente, veja.

É verdade que outros governantes já haviam tentado esse tipo de empatia popular. Getúlio, Jânio, até o Collor. Mas a atitude do senhor é bem mais livre de histrionismos bufões, bem mais isenta de dramaticidades alienígenas ao tom da música da convivência nacional (ainda insistentemente bossa-novista apesar dos tempos trash metal em que vivemos).

O porteiro virou síndico

Presidente, veja. Meio atrasado ficar lembrando disso agora, eu sei. Já faz um ano que o Rolls Royce singrou o mar de gente. E que o porteiro se mudou para a cobertura. Virou síndico.

Mas quem lhe escreve aqui está gostando de soar inocente. A gente precisa disso. Não é que eu só enxergue qualidades em sua atitude pública. Seus discursos às vezes fazem concessões exageradas à demagogia eletrônica. O tom meloso de certas palavras, veja, carregadas pela inflexão esforçada de sua voz grossa, pode soar bem piegas.

Desculpe, Presidente, mas pode dar a impressão de que o programa de governo tão falado durante as eleições acabou virando um programa de auditório, apresentado por um clone híbrido do Gugu com o Zé do Caixão.

Preocupa, Presidente, o fato de que o espetáculo do crescimento não tenha passado até agora de um crescimento do espetáculo. E de que, no meio de tanta conciliação nacional, ainda possa aparecer uma hora do "vamovê" em que o PT velho de guerra parta para uma guerra velha.

Ou que o senhor enfie fundo o pé em alguma jaca populista que apareça no meio do caminho. Mas, passado quase um ano de sua ascensão ao topo do prédio, agora que a moda dos vizinhos é criticá-lo, ainda não consigo ver nenhum sinal concreto de que os estofados da cobertura tenham, com todo respeito, já que o senhor nos permite a intimidade, Presidente, amolecido sua bunda de torneiro, digo, de porteiro.

Por isso, com igual respeito, me regozijo. Nos prédios onde morei, os porteiros sempre tiveram uma postura mais bacana que a dos donos de cobertura.

*Carlos Nader, 37, vídeo-artista, é pela paz e amor na política.

Seu e-mail é: carlos_nader@hotmail.com

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