por Luiz Alberto Mendes

Jogando…

Às vezes tenho a convicção de que faremos absurdos, se nos

for permitido. Somos insensatos, possuímos pouca lucidez. Quase

tudo me parece muito além de nosso entendimento. Percebemos

pequena parcela do que realmente acontece em torno de nós.

Estamos restritos a nós, e quão pouco sabemos sobre nós... É fácil

demonstrar que temos ido muito pouco além de nossas possibilidades.

Nos permitimos, somos condescendentes e vivemos a nos absolver

de nossas iniquidades. Alguns escaparão. E não farão muito sucesso;

a história não deixa dúvidas quanto a isso. Quase todas as exceções

foram massacradas, torturadas, envenenadas e até crucificadas.

As coisas parecem flutuar ao acaso. Um caos que se organiza

precariamente, cheio de questões cruciais sem respostas definitivas.

O jogo é a demonstração mais evidente desse caos organizado a que

estamos atrelados. É o abstrato concretizando-se a partir da mente

humana, ao acaso do jogo.

Depois de mais de três décadas distante do convívio social,

foi uma surpreza perceber o quanto as pessoas estão jogando. É

uma compulsão transformada em hábito. Quase todo mundo joga no

país. Loteria Esportiva, “raspadinha”, Loteria Federal, quadra, quina,

megasena, loto, rifas (rifa-se tudo; de carro a chinelo de dedo.), nas

inúmeras casas de Bingos clandestinos esparramadas pelas cidades,

nos cassinos cada vez menos clandestinos (todo mundo sabe onde

tem), nas apostas individuais, corridas de cavalos, cães e até de ratos.

Há pequenos balcões de jogo do bicho em qualquer boteco ou

birosca. Há muito que a polícia deixou de persegui-los para acharcá-

los. O tráfico de drogas rende exageradamento mais. Ser bicheiro

perdeu o glamour; hoje o dono do jogo é um executivo, como outro

qualquer. Os praticantes do crime são cada vez mais operários

que qualquer outra coisa. Quase batem cartão. Não há nada mais

escondido, tudo esta para que todos vejam. Faz parte do marketing; só

quem é visto é lembrado. Nem quero falar sobre a maior concorrência

que os traficantes hoje enfrentam, para negociarem suas mercadorias.

Isso é mais que sabido.

É também na cara de todos que são negociadas as permissões,

concessões e cargos entre aqueles que têm sobre seus ombros

a responsabilidade de comandar a nação. Hoje temos todas as

categorias dentro dos presídios. Juizes, promotores e pasmem; até

políticos (se bem que gozem de privilégios) estão cumprindo pena

atualmente.

Depois da pesquisa que realizei com os jogadores compulsivos

que conheço, conclui que eles sabem que perdem muito e ganham

pouco e não se importam. A expectativa do prazer de ganhar é o que

interessa. Parece que a intensidade do prazer de ganhar é maior ou

menor, de acordo com a proporção das vezes que se perdeu.

Não fora assim, então como é que se explicaria as filas nas

casas lotéricas dobrando as esquinas, a multiplicação das bancas do

jogo do bicho e das rifas? E insistem, dia após dia, ano após ano. De

vez em quando dão uma “sorte” e ganham. Não importa a quantia, isso

é estímulo suficiente para que joguem o resto da vida. O prêmio não é

tão importante, já que comparado ao montante perdido anteriormente,

será sempre irrisório. Importante é a emoção de ganhar. De ser o

ganhador, essa figura exponencial em nossa sociedade.

Há quem diga que o jogador se auto pune ao perder. Não creio.

Viver aquele momento único de coração suspenso na esperança

de ser o ganhador, deve realmente mexer com a alma humana.

Com certeza, as derrotas ficam no passado. As vitórias e ganhos

são o presente perseguido por dentro dos sonhos. Depois de tantas

perdas (e todas perdas da vida ficam ai associadas), ganhar assume

importância que transcende ao valor do ganho. O passado não existe

mais; tudo é fundamental, mas apenas no presente.

Na verdade, vivemos sob o império do presente. Temos o

passado como pano de fundo e o futuro como refém, a mercê do

presente.

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Luiz Mendes

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05/03/2014.

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