INSÔNIA
Na noite escassa que se rompia
Calei em mim o instinto de existir
E gritei um ruído áspero de fazer silêncios
Enquanto em pedaços breves
A dor se escondia como folhas secas
Que ao pensar perdiam-se para o vento
Tudo era tão conhecido que dava para desconhecer
Por isso olhava lento
Como que por dentro da escuridão
Tentando acostumar para poder entender
Talvez um dia conseguir dormir.
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DESCONHECIDO
De mim só conheço pontas e arestas
Preciso espelho para reconhecer meu lado de fora
Estou como um vício de ser, pontiagudo
Relva seca em plena estiagem
Entre o alvoroço e o remanso
Não me vejo e nem me alcanço.
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LUCRO
De verdade penso que sobrevivemos a um estado mental em crescente deterioração, pensada e planejada por quem tira lucro com isso.
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LIBERDADE
Não identifico liberdade com o que a lei, a religião, a polícia ou os carcereiros possam me oferecer ou subtrair. Quero liberdade de mim mesmo. De meus preconceitos, minhas psicopatias, fraquezas, agressividades, de meu individualismo, meus limites... Resisti e atravessei camadas e mais camadas de obstáculos, para chegar aqui e agora. Então quero minha humanidade inteira; amar, ser amado e viver grande. O que virei a ser será o resultado dessa luta por construir a liberdade que almejo para mim.
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DISCURSO
Não aceito ser modelo de nada. Todos modelos são falsos. Não há certezas em se tratando do ser humano. Presume-se que, se eu encontrei uma saída, os outros devam encontrar também. E, absolutamente não é assim. Não sou melhor que ninguém. Alias se for ver bem, fui bem pior que a maioria das pessoas que estão presas. Dizem que possuo talento para escrever, que sou culto e inteligente. Não nasci assim e nem sou tudo isso que se possa imaginar ou dizer. Só dá para rir disso.
Mas eu penso naqueles que não têm ninguém por eles, sem uma profissão, totalmente alienados, descompassados e tão desarmados para enfrentar o preconceito social aqui fora. E aqueles que, dentro da prisão, não conseguiram encontrar os apoios e as forças que tornaram minha vontade imperiosa? Hoje muitas pessoas gostam de mim, reconhecem minha luta e me aprovam. Talvez eu tenha conseguido provar que é possível confiar em mim. São cinco anos de luta para chegar a esta posição. Mas sou como qualquer uma das mais de 150 mil pessoas que estão atrás das muralhas neste instante. Sou como qualquer pessoa livre ou presa. Sou humano. Preso a este instante e que vai morrer hoje ou amanhã. Uso o banheiro como todos. Erro, acerto (às vezes...), ando pelas ruas e, como dizia Cazuza, “troco cheques”. Em vez de cantar, escrevo.
O destino, vocês não acham, devia ser coletivo. Os incentivos, os apoios, a força de vontade, a capacidade de concentração, o amor aos livros, o sonho de honra e nobreza de atitudes, o desejo da elegância, o tesão pela generosidade, a ânsia de criar filhos com dignidade, e mais algumas noções que me orientaram e orientam minha vontade, devia existir para todos. Estamos entrelaçados na mesma condição humana. Sofremos, choramos; somos alegres e tristes do mesmo jeito. O que sangra em mim sangra em você.
Às vezes chego a pensar que talvez tenha sido até um mal para o coletivo eu haver quebrado barreiras individualmente.
Luiz Mendes
10/08/2009.
Obs. Meu livro “Memórias de um Sobrevivente” vai ter um,a nova edição em poket. Achei ótimo isso; vai ficar ao alcance de todos adquirir e novamente, voltará a ser exposto. Esse é um trabalho que me orgulho de haver produzido. Gosto desse livro.