Trip quer rever o significado da palavra privilégio. Se não para inspirar, para lembrar que há de haver algo melhor do que a obsessão de alguns em levar vantagem sobre os outros
Há uma frase do líder político e espiritual Mahatma Gandhi que talvez tenha ajudado a definir o significado mais usual da palavra que elegemos como tema da Trip neste mês:
“Odeio o privilégio e o monopólio. Para mim, tudo o que não pode ser dividido com as multidões é tabu”.
Gandhi fazia menção àquilo que tem nos enojado sistematicamente, de forma muito especial nos últimos meses e anos, a cada virada de página nos jornais todas as manhãs. Constatar o nível da mediocridade e da pobreza de espírito daqueles que comandam boa parte das empresas, partidos, governos e instituições do Brasil tem feito com que qualquer outro sentido que possa ser atribuído ao termo caia numa espécie de terceiro subsolo no edifício da importância. A busca doentia por vantagens pessoais em prejuízo deliberado do todo é de fato uma das mais miseráveis formas de viver. Tento escapar da personificação, mas é difícil não pensar, só para citar um entre tantos, na expressão aparvalhada de Sérgio Cabral nas fotos mais recentes. No que ele pensava quando experimentava seus ternos “su misura”? O que tinha em mente quando comprava joias por quilo, armava negociatas internacionais e tramava seus planos de gângster de filmes de Mazzaropi? O que vai hoje pelas cabeças de seus filhos? Pouca gente lembra aliás de seu pai, figura digna, gentil e respeitada entre jornalistas, cronistas do nosso tempo, compositores e sambistas de boa cepa. Beirando os 80 anos, talvez o mal de Alzheimer que o acomete tenha sido de alguma maneira providencial. Segundo seu colega nas letras Ignácio de Loyola Brandão escreveu em artigo recente, quando perguntado sobre o que houve com seu filho, Sérgio Cabral pai responde que o menino morreu quando criança... Demência causada pela doença ou lucidez extrema?
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Mas para tornar a sua e a nossa vida um pouco mais suportáveis neste país que tem feito excelente trabalho no sentido de nos frustrar e de mostrar o quanto é possível andar para trás como nação, optamos mais uma vez pelo lato sensu. Um olhar um pouco mais aberto e arejado para essa mesma ideia. Onde estarão, então, os outros significados? Quem são e onde estão os privilégios um pouco menos óbvios? Uma noite de sono com qualidade, por exemplo. Algo tão corriqueiro e disponível até algum tempo atrás parece estar se tornando mercadoria escassa cheia de procura e carente de oferta. Focar toda a sua energia para estar no centro da cena do showbiz pop nacional é um privilégio invejável ou um caminho curto para a solidão absoluta? Poder dar à luz no lugar em que você vive? Tomar um copo d’água fresca na hora da sede, ter dinheiro suficiente para não precisar pensar muito nisso, não precisar trair a si mesmo...
Entre outras coisas, esta edição quer rever o significado da palavra privilégio. Se não para inspirar, para lembrar que há de haver algo melhor para colar ao lado dessa palavra do que a incrível obsessão de alguns por deliberadamente levar vantagem sobre os outros. Como se houvesse de fato alguma vantagem a se levar...
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