”Conhecermos nossos próprios corpos e interagirmos com intimidade com a natureza podem ser as ferramentas mais eficazes, se não as únicas, para conseguirmos entender um pouco mais sobre a vida”
Há uma velha anedota ventilada nas redações desde os tempos em que Remingtons e Olivettis reinavam soberanas pelos grandes salões do jornalismo. O chiste afirmava que jornalismo era a profissão exercida por pessoas que são pagas para explicar aos outros aquilo que elas mesmas não entenderam.
Guga Chacra impôs a si mesmo uma missão inglória: não só traduzir para uma audiência gigantesca um mundo cada vez menos obediente a qualquer tipo de lógica, mas também fazer isso através dos seus ângulos e aspectos mais pontudos, dentuços e cabeludos (com o perdão por algo que poderia ser tomado equivocadamente como referência jocosa à vasta e às vezes descontrolada cabeleira do nosso personagem de capa). Membro da numerosa colônia libanesa instalada no Brasil, Guga é filho de um eminente médico paulistano que dedicou meia dúzia de décadas a cuidar de gente de todas as camadas sociais em hospitais e consultórios. Bem-sucedido na profissão, pôde dar uma vida confortável aos filhos. Assim, Guga teve acesso a ótimas escolas, clubes, esportes, férias na praia e viagens incríveis.
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Sua maneira de lidar com esses privilégios foi a melhor possível: se esforçar ao máximo para aproveitá-los no sentido mais amplo, cursando e concluindo uma graduação universitária e um mestrado, usando a força de sua curiosidade natural para absorver um volume considerável de conhecimento e viajando e vivendo em regiões tensas e conflituosas do planeta. Tudo isso visando reunir condições para entender um pouco mais a fundo algumas das cicatrizes e chagas mais profundas da epiderme da humanidade. E desde sempre tratando de compartilhar seus achados com o maior número possível de pessoas. Primeiro pelos jornais impressos tradicionais, depois pelos canais de TV por assinatura e agora pelas redes sociais e também pelo telejornal noturno da emissora aberta de maior alcance do Brasil. Há quem discorde de suas opiniões, há quem enxergue em seu estilo despojado uma construção artificial de um tipo “falso desencanadão”, mas é muito difícil encontrar quem não respeite seu conhecimento de causa, sua capacidade de comunicar e sua coragem para abordar com desenvoltura alguns dos temas mais cabeludos (desculpem novamente) do universo diante de qualquer audiência, sempre com integridade e personalidades evidentes. E tudo isso, diga-se, numa época em que a intolerância generalizada tornou-se um dado cada vez mais presente e assustador.
O respeito e a intimidade de Guga para com a atividade física e a água, em especial, talvez ajudem a explicar um ar de conforto permanente com a condição humana que ele aparenta carregar. Seja no litoral do Japão, em Angola ou na praia de Itamambuca, entendermos e conhecermos nossos próprios corpos e interagirmos com intimidade com a natureza e o meio líquido podem ser as ferramentas mais eficazes, se não as únicas, para conseguirmos entender um pouco mais sobre a vida e o mundo.
Créditos
Imagem principal: Marcelo Gomes