Entramos no mundo da dupla que é febre infantil para revelar as engrenagens coloridas dessa usina de dinheiro
Como uma marca com quase 30 anos se transforma em febre infantil no século 21 com mais de 500 produtos licenciados? Como um mágico de 17 anos se transforma em empresário milionário? Como dois palhaços estão ao mesmo tempo em 800 shows semanais por todo o brasil? E o que o ex-Bozo Arlindo Barreto tem a ver com esse rolo todo? Sempre interessada em sorrir e brincar, a nossa reportagem entrou no mundo do Patati Patatá para revelar as engrenagens coloridas dessa usina de dinheiro
Toc, toc, toc! As batidas na porta interrompem minha conversa com o empresário Rinaldo Helder Faria, o Rinaldi. Entra na sala um senhor careca, baixinho e de óculos. “Este aí é Arlindo Barreto, o Bozo”, manda, na lata. “Fala pra ele, Arlindo: Não é verdade que acontece de você estar vestido de Bozo e as crianças te chamarem de Patati Patatá? Não tem jeito, eles são a referência de palhaço agora.” Arlindo sorri encabulado e balança a cabeça, confirmando a história. Nem poderia discordar. Depois do programa do Bozo na década de 80, nenhum outro palhaço havia conseguido um programa diário na televisão aberta. Isso até o começo do ano passado, quando Patati e Patatá ganharam as manhãs do SBT, tendo o experiente Arlindo como diretor de externas. Antes de chegar às telas, no entanto, a dupla precisou se desdobrar. Mais literalmente, precisou se multiplicar, até ficar conhecida e chamar a atenção de Silvio Santos.
Na base da clonagem, fizeram durante anos cerca de 160 shows por dia em escolas de todo o Brasil. “No dia que tinha 159, alguém tomava desconto do pagamento”, diz o impiedoso Rinaldi. Dono da marca, ele revela um tanto ressabiado como eram possíveis tantas exibições em 24 horas: “Nos últimos dez anos chegamos a ter ao mesmo tempo 40 duplas interpretando Patati Patatá, e cada dupla fazia quatro apresentações por dia nas escolas. São 800 shows por semana! Que artista no mundo faz isso?”, pergunta. “Desde 1991 vamos ao colégio número um da Barra da Tijuca até a escola número zero da Rocinha ou do Alemão, pedindo autorização pra traficante pro palhaço poder subir. E algumas vezes não podia porque o palhaço tem roupa vermelha e algumas facções não aceitavam.”
O milagre da multiplicação dos palhaços é assunto tabu na empresa. Da secretaria à diretoria, todos evitam abordar o tema. “É melhor você perguntar isso pro Rinaldi”, repetem, quase ensaiados. Perguntamos. “Durante muitos anos eu não falei sobre esse assunto, mas chegou uma hora em que estava evidente que eram várias duplas. Eram muitos shows, e eu não queria fazer o público de bobo. Mas me arrependo de ter aberto isso, algumas pessoas recebem essa informação com insatisfação, com frustração. Falam: ‘Ah, então esse não é o verdadeiro? Não é o cara da televisão!? ’. Elas têm que entender que continua sendo o Patati Patatá”, defende-se o megaempresário. Fora ele, o único que se atreve a tocar no tema polêmico é o coreógrafo Oswad Berry, que trabalhou com a Xuxa por quase 20 anos antes de criar passos para os palhaços. “Não são cópias, são pessoas interpretando um personagem. Na Disney é igual, várias pessoas vestem o personagem do Mickey, do Pluto, não é?”
“Não adianta querer ser cult para falar com criança. Se vende tanto, é porque é bom”
Na linha de produção de duplas, o lado meticuloso de Rinaldi desponta. Ele cuida pessoalmente dos detalhes para que todos os Patatis e todos os Patatás sejam bem parecidos no visual e no comportamento. Os atores, por exemplo, precisam ter entre 1,83 metro e 1,90 metro. As diferenças são corrigidas no tamanho do salto do sapato, para que os dois fiquem da mesma altura. É necessário ter dentes bonitos, “um encavalado já não serve”. E, acima de tudo, tem que querer muito. “Eles passam por um treinamento que eu não vou detalhar porque vocês vão me chamar de louco. É quase um Tropa de elite. Eu levava uns 40 pra um sítio pra sair seis Patatis Patatás, os caras não aguentavam. Tinha que ficar pintando das 6 horas às 23 horas, brincando, interagindo, dançando... Metade já sai aí.” Tudo isso pra ganhar um salário que há dois anos era de cerca de R$ 1 mil por mês, para fazer os tais quatro shows diários.
De lá pra cá, o lucro só cresceu. Com a ida para a TV e o licenciamento da marca para centenas de produtos – são cerca de 500, de xampu a bonecos, que renderam aproximadamente R$ 9 milhões à empresa ano passado – os salários cresceram. Rinaldi não detalha, mas diz que algumas duplas, como as duas que apresentam o programa do SBT, hoje podem ganhar “mais de R$ 20 mil por mês”. A ida em massa às escolas parou com o início do programa diário na emissora, e o número de Patatis Patatás diminuiu. Atualmente 15 duplas enchem casas de shows país afora e animam festas de aniversários – por cachês de R$ 5 mil. No dia das fotos desta reportagem, os dois atores que posaram animariam a festa do filho de Alexandre Frota mais tarde.
Com a fama, cresceu também o número de pessoas querendo lucrar em cima da marca, com covers e produtos não autorizados.Para contra-atacar, Rinaldi criou um departamento que chama de caça-cover. “São dois advogados, dois supervisores, dois estagiários e um gerente jurídico. Sete pessoas dedicadas só a caçar covers, não fazem mais nada na vida”, explica. Com esse plantel, conseguiu descobrir e cancelar exatos 71 shows somente em fevereiro deste ano.“Rinaldi criou um padrão de qualidade tão grande que fica evidente quando são falsos. Ele se incomoda com pequenos detalhes, chamo isso de ‘rinaldices’. Essas coisas eu não tive como Bozo”, relembra Arlindo, emendando casos e mais casos de quando esteve na TV nos anos 1980. “A direção era absolutamente negligente, podia-se dizer a besteira que fosse, até um menino dizer: ‘Ei, Bozo, vai tomar no cu’, e eu responder: ‘Não vou, quem sabe seu papai ou sua mamãe não gostem disso’... Isso nunca vai acontecer no Patati Patatá, existe um zelo muito grande, é tudo feito para o público infantil mesmo. O Bozo não. O Bozo enlouqueceu, ultrapassou todos os limites e foi adorado pelos loucos e alucinados.” Este repórter não se contém: “Eu cresci vendo o Bozo!”. “Aí, tá vendo no que deu?”, diverte-se Arlindo.
A ligação de Arlindo com o Patati Patatá é tão antiga quanto a existência da dupla. Era o começo dos anos 1980 quando surgiu um quarteto que se apresentava em circos: os palhaços Tuti Fruti e Pirulito, a Garota Pupy e a Mágica Alacazam. O grupo todo se chamava Patati Patatá. O nome deles já era conhecido quando aconteceu uma tragédia: um acidente de automóvel em 1985 matou os dois palhaços e a Pupy. Na mesma época, Rinaldi, então um pré- adolescente, já dava as caras na TV fazendo números de mágica. Foi então convidado pela mãe dos falecidos a remontar o grupo e cumprir os shows já agendados. Rinaldi não só fez as apresentações como também passou a frequentar programas de TV com o grupo. Entre eles o do Bozo, então encarnado por Arlindo Barreto.
Com o passar dos anos Rinaldi foi deixando os palcos e assumindo o lado empresário. Transformou o quarteto Patati Patatá em dupla, e percebeu que eles poderiam ganhar muito dinheiro fazendo shows onde estava a maior concentração de crianças: nas escolas. As apresentações eram gratuitas, mas o lucro era enorme: depois de cada sessão de palhaçada os alunos eram convidados a tirar fotos com a dupla, e cada clique era cobrado. A tática usada pelos palhaços era uma fonte de dinheiro tão fluente que Rinaldi convocou seu amigo Bozo para a empreitada, e Arlindo também começou a se apresentar nos colégios. “Ganhei grana que não acabava mais”, conta Rinaldi. “Cheguei a levar os Trapalhões nas escolas, só não foi o Renato Aragão. Quem não queria uma foto com os Trapalhões? Com 17 anos eu tinha virado um empresário com 53 funcionários.”
“Ficamos à frente de todos os artistas ano passado, inclusive do Luan Santana”
Foi quando Rinaldi percebeu que poderia lucrar ainda mais se conseguisse dar um jeito de estar presente em um número maior de escolas e ainda vender para as crianças algo mais caro que fotografias. Começou aí a multiplicação das duplas e o lançamento e venda de discos e DVDs após as apresentações.
Quadros ainda envoltos em plástico bolha estão no canto do escritório de Rinaldi. São discos de platina e de diamante emoldurados, recém-chegados da gravadora Som Livre, em reconhecimento pela venda de 500 mil cópias de DVDs. “Além das cópias comercializadas pela gravadora, ainda vendemos mais 1,5 milhão nas escolas”, contabiliza. “Na Som Livre ficamos à frente de todos os artistas ano passado, inclusive do Luan Santana. Imagina uma dupla de palhaços que vende mais discos do que qualquer artista no Brasil!” Os lançamentos seguem no mesmo ritmo frenético do surgimento dos novos palhaços-clones: já são 7 DVDs e 11 CDs.
Rinaldi leva a reportagem ao estúdio onde as músicas são mixadas. O prédio está em reformas para a ampliação do espaço de gravação de novos DVDs. Por ali está João Plinta, o produtor musical por trás dos lançamentos musicais de Patati Patatá. Em seu histórico estão hits como “Os dedinhos” (Eliana), “Pintinho amarelinho” (Gugu) e “Vem fazer glu-glu” (Sérgio Mallandro). E adivinha quem empresta a voz para a gravação dos CDs?... Outro Bozo! Trata-se de Marcos Pajé, que, como Arlindo Barreto, também viveu o palhaço na televisão. “Acho errado dizer que o Patati Patatá é puramente comercial. Nós temos uma preocupação artística fora do comum, que vem muito antes da comercial. Vende tanto porque é bom, porque as mães adoram. Não adianta querer ser cult pra falar com a criança, tem que falar a linguagem delas, mas sem ser aquela coisa boba.”
Rinaldi considera todo esse sucesso “só o começo”. Pretende entrar com tudo no mercado norte-americano – por isso um dos palhaços usa roupa vermelha, branca e azul – e prepara um longa-metragem, com roteiro de Arlindo. Enquanto me acompanha até a saída da empresa, em nosso segundo e último encontro, cruzamos com uma mãe contratando pessoalmente uma dupla de Patatis Patatás para animar um aniversário. Puxamos papo, e ela diz: “Meu filho está aprendendo a falar agora. Por enquanto ele só diz Patati Patatá...”.