por Luiz Alberto Mendes

Onze anos

 

Hoje faz 11 anos que sai da prisão, depois de 31 anos e 10 meses preso. Fui aprisionado aos 19 e sai com 51 anos. Quando conto, muitos dizem: uma vida! Perdeste a juventude e a parte mais importante da vida. Outros dizem somente: nossa! E logo imaginam que crimes horrendos praticou esse cara para ficar tantos anos preso? Isso deve ser uma víbora, deve ser um monstro por haver vivido tantos anos trancafiado! O preconceito sempre fala mais alto. Claro, há os que têm dó de mim e até compaixão pelo sofrimento que imaginam, devo ter passado. Há até quem diga: quanto tempo perdido! O fato é que para bem ou para mal, ninguém deixa de se impressionar.

Acho que só eu é que não me impressiono. Apenas vivi o que havia a ser vivido, o que fazer de diferente se as grades, guardas armados e muralhas impediam? Claro, sofri horrores. Cada vez que o choque da PM invadia as cadeias onde estive (e foram muitas), apanhei como gente grande. Passei por todo tipo de tortura e sofrimento. Pau de estrada, pau-de-arara, pau de afogamento e pau de esculacho. Espancamentos com pau, borracha, cano de ferro, socos, soco inglês e pontapés. Vivi a solidão mais acerba, as angústias mais pesadas, o tédio mais constante e as depressões mais doloridas. Enfrentei misérias interiores e exteriores que aqui fora nem se tem idéia de que existam. Encarei celas-fortes (desconheço celas "fracas"), cafuas, masmorras, celas de castigo, isolamentos, tudo o que pode haver de pior nas prisões. Me alimentei com o pão que o diabo amassou muitas vezes; restos, comida estragada, azeda, até papel higiênico desceu depois de 8 dias de fome em uma prisão. Mas eu apenas lutei para sobreviver, não podia fazer nada diferente do que as condições permitiam.

Houve a contrapartida também, mas não por conta das "autoridades"; esses só me sacrificaram o quanto mais puderam. Rompi com a cultura do crime; estudei e li desesperadamente (12, 14 horas por dia). Aprendi novos valores, conheci pessoas maravilhosas que me incentivaram e apoiaram nos piores momentos. É ai que se conhecem as pessoas e eu tive e tenho grandes amigos, lá dentro e aqui fora. Amei e fui amado. Tive companheiras magníficas que enfrentaram filas intermináveis por 5, 6 horas, incansáveis. Passavam por revistas humilhantes, piadinhas maliciosas de guardas escrotos e covardes, foram descriminadas e enfrentaram muitos preconceitos só porque me amavam. E essa era a minha maior fonte de dor, doía mais violência do quando me batiam ou feriam. Minhas homenagens, no dia de hoje, à essas grandes mulheres.

Aprendi a gostar das pessoas, a ter compaixão por todos aqueles que sofrem e ser indulgente com aqueles que fazem sofrer. Não alimentei meu coração de revolta, não odeio ninguém, nem os que me sacrificaram. Hoje estou ainda metido a escritor, com 5 livros publicados e um em processo de publicação; coluna há 13 anos na Revista Trip; blog com milhares de acessos; fazendo palestras; Oficinas de Leitura e Escrita; fazendo meus textos de free lancer em revistas e jornais; participando de movimentos políticos e sociais; ativo, aberto a todos que me procuram e pronto para assumir toda responsabilidade que a mim couber. Estou maduro, responsável, sério e válido para o que for necessário.

Hoje, dia 05/04/2015, completo 11 anos que fui libertado após cumprir a pena máxima do país e mais alguma coisa. Todo ano, nessa data comemoro e escrevo acerca do que vivi e cheio de agradecimento pelas pessoas que me leem, que gostam de mim e me procuram. Estou pacificado, firme e certo de que estou no caminho mais correto para mim. Saúdo a todos com um brinde e desejo do fundo do coração que sejam o mais felizes que puderem; Saúde!!!

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Luiz Mendes

05/04/2015.  

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